Por Jairo Pimentel, Guilherme Russo e George Avelino*
Artigo originalmente publicado no portal Jota.
No começo deste ano, a pesquisa Barômetro das Américas, conduzida pelo LAPOP em parceria com o Cepesp/FGV, evidenciou algo que parecia intuitivo para a maioria dos analistas políticos: o crescimento da direita no eleitorado desde a ascensão do chamado bolsonarismo. Segundo a pesquisa, cerca de 38% dos brasileiros se declara ser de direita, enquanto na rodada anterior, realizada em 2017, esse percentual era de 28%.
Até pouco tempo ser de direita no Brasil era considerado um impropério, seja por conta do seu caráter elitista (em um país marcado pela desigualdade social) ou por sua ligação histórica com o regime militar. Bolsonaro parece ter quebrado com essa escrita se colocando abertamente como um candidato de direita e, ao fazê-lo, ocupou um vácuo que polarizou a política brasileira.
Nesse processo de polarização, os termos direita e esquerda passaram a ser mais utilizados dentro do debate público e isso estremeceu reuniões familiares de norte a sul do Brasil. Essa efervescência política e o uso mais recorrente desses termos não significam que os eleitores se tornaram mais ideológicos. Isto é, nem todos os eleitores passaram repentinamente a se assumir como direita porque foram iluminados pelo debate público sobre mais ou menos interferência do estado na economia, por exemplo. Nos parece mais provável, que este posicionamento na direita política é uma resposta ao posicionamento público de Bolsonaro como uma liderança de direita, algo que até então não havia sido bancado por outras lideranças competitivas no cenário eleitoral nacional.
Para testar essa ideia e verificar o impacto do posicionamento de direita de Bolsonaro sobre a auto declaração ideológica dos eleitores, pesquisadores do Cepesp, em parceria com a APPC consultoria, realizaram um pequeno experimento em pesquisas de opinião pública realizadas em seis cidades paulistas. A pergunta de pesquisa a ser respondida era: saber que o presidente Bolsonaro se declara “de direita” aumenta o percentual de eleitores que se declaram como tal? Por outro lado, o que acontece com os eleitores que não gostam de Bolsonaro quando recebem a informação que ele é de direita? Acabam tomando a posição contrária e tendem a se posicionar mais à esquerda?
Com uma amostra de 2414 entrevistas face-a-face, foram apresentados, de maneira aleatória, uma de duas versões da mesma pergunta para os pesquisados. Na primeira versão (respondida por 1230 pessoas) foi perguntado: “Em política é comum se dizer que existem posições de esquerda e de direita. E você? Diria que é mais de esquerda, centro ou direita?”
Já a outra metade da amostra (1184 pessoas) respondeu a essa mesma pergunta, mas com um estímulo adicional: “Em política é comum se dizer que existem posições de esquerda e de direita. O presidente Jair Bolsonaro se coloca como direita. E você? Diria que é mais de esquerda, centro ou direita?” Ou seja, foi oferecido um estímulo adicional para esse grupo (chamado de tratamento) para se verificar em que medida a posição de ideológica de Bolsonaro afetava o posicionamento dos pesquisados em comparação aos eleitores que não receberam esse estímulo (grupo de controle).
Figura 1 – Lógica do experimento

Nossa expectativa era de que aqueles que avaliam o governo Bolsonaro como positivo (Ótimo/Bom) passariam a se posicionar como de direita quando informados sobre o posicionamento do presidente. Já entre aqueles que avaliam o governo de forma negativa (Mau/Péssimo), receber a informação adicional deveria leva-los a abandonar o posicionamento de direita, e até escolher a posição oposta. Os resultados são apresentados nos gráficos a seguir, com os grupos segmentados pela avaliação do governo Bolsonaro e versão da pergunta.

Levando-se em consideração o grupo que não recebe a informação sobre a posição ideológica do presidente (lado esquerdo dos gráficos), observa-se tanto no gráfico 1 quanto no gráfico 2 uma correlação entre a auto declaração ideológica do pesquisado e avaliação do governo Bolsonaro. Isto é, 47% dos eleitores que avaliam positivamente o governo Bolsonaro (Ótimo/Bom- linha azul) tendem a se declarar mais a direita em comparação os pesquisados que reprovam o seu governo (Ruim/Péssimo-linha vermelha), onde apenas 18% se colocam como tal. Já no gráfico 2, nota-se o contrário: 26% dos eleitores que reprovam Bolsonaro tendem a se posicionar como esquerda, enquanto apenas 5% dos que aprovam o governo se posicionam como tal.
Já avaliando a comparação entre os respondentes que receberam a informação da posição ideológica do presidente (grupo tratamento), entre aqueles que avaliam positivamente o governo Bolsonaro, o percentual de pesquisados que se posiciona como sendo de direita passa de 47% para 69%, uma diferença de 22 pontos percentuais, o que corrobora a ideia de que a posição de Bolsonaro influencia a auto-declaração ideológica de quem gosta dele ou de seu governo. Já no gráfico 2, aqueles que se declaram de esquerda e reprovam o governo Bolsonaro passam de 26% para 41% ao saberem que Bolsonaro é de direita.
Esse experimento descortina o processo que parece ter ocorrido durante a eleição: a posição de Bolsonaro pode ter levado os eleitores a se posicionarem mais a direita ou mais a esquerda, de acordo com o quanto gostavam ou não de Bolsonaro. Nesse sentido, parece mais correto dizer que esse crescimento da direita se deve em boa medida a ascensão do bolsonarismo, ou seja, boa parte dos eleitores não se tornou de direita e passou a votar em Bolsonaro, mas sim passaram a ser de direita porque gostavam e votaram em Bolsonaro, invertendo-se assim a lógica de causalidade.
É possível extrapolar esses resultados e supor que, mantido esse protagonismo de Bolsonaro em polarizar o eleitorado, cada vez mais será possível observar uma lógica centrífuga nas eleições brasileiras, onde os polos opostos passam a ter maior relevância enquanto o centro fica esvaziado. Candidaturas moderadas nesse cenário teriam capacidade limitada de mobilizar os eleitores frente ao protagonismo binário da dimensão direita-esquerda catalisada pelo bolsonarismo e o seu polo oposto: o “lulo-petismo”.
Ademais, o estudo mostra que as opiniões sobre a auto declaração ideológica são fluidas e podem mudar com apenas um estímulo. O estímulo apresentado parece ser suficientemente forte para polarizar o eleitorado ao menos no que consiste a dimensão direita-esquerda. Pensando nesse fenômeno de polarização da opinião pública Brasileira, acreditamos que a capacidade de polarização de Bolsonaro vai além da identificação na esquerda-direita e também se aplica a temas políticos.
*Pesquisadores do Cepesp/FGV