Bolsonaro agrava crise, mas saída ainda não é cenário mais provável, dizem cientistas políticos

CEPESP  |  9 de maio de 2020
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O Brasil vive três crises – a sanitária, a econômica e a política – e todas três ainda vão piorar. Enquanto as duas primeiras não são exclusividade brasileira, a crise política tem sido acentuada no Brasil pela postura do presidente Jair Bolsonaro. Mesmo assim, um afastamento do presidente ainda é considerada uma alternativa pouco provável na avaliação dos cientistas políticos que participaram do debate “Crise e respostas institucionais em tempos de Covid-19”, organizado pelo  Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), com a participação de Fabiano Santos, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeir(IESP-UERJ), Lara Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (Cepesp/FGV) e do Cebrap, e Marcus André Melo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e que foi coordenado por Maria Hermínia Tavares de Almeida, do Cebrap.

Para Fabiano Santos, as crises sanitária e econômica estão acopladas, mas a crise política é diferente. No Brasil, ponderou, a economia já estava debilitada (em 2019, citou, o PIB cresceu 1,1% e a população, 1%, indicando que o PIB per capita ficou estagnado) com 11% de desemprego e 40% dos trabalhadores na informalidade. “Muitas pessoas já estavam em situação precária e com a crise do Covid, simplesmente ficaram sem renda ou com pouca margem. Então, a probabilidade de termos uma crise social diante do agravamento da crise econômica é muito alta”, argumentou. Ele lembrou que o governo tem resistido em enfrentar a crise com o instrumento mais crucial a sua disposição, que é a expansão fiscal, e que as principais medidas de combate aos efeitos negativos do Covid-19 foram ampliadas (ou mesmo gestadas) no Congresso Nacional.

Fabiano Satos - debate Cebrap
Fabiano Santos, do IESP-UFRJ: presidente age contra as instituições todos os dias

Nesse quadro de forte crise sanitária e econômica, o presidente tem agido para testar todos os dias as respostas das instituições, disse ele, agravando a crise política. “É um presidente que optou pela militarização, não fez coalizão com os partidos e que nitidamente gostaria de fechar o regime”.

Marcus Melo avalia que ocorreu um “deslocamento da proporção de placas tectônicas” na situação política brasileira. Para ele, a agenda pública mudou e o conjunto formado por combate à corrupção, crise na segurança pública, agenda comportamental e de costumes e agenda de reformas constitucionais perdeu importância diante da crise do Covid-19 e seus impactos. Com esse deslocamento, o presidente Jair Bolsonaro perdeu boa parte do grande acordo que o sustentou nas eleições de 2018, movimento que foi ainda mais afetado pela “fratura” provocada pela saída de Sergio Moro do governo.

Marcus Melo debate Cebrap
Marcus Melo, da UFPE: efeitos sobre a economia serão longos e devastadores

Para Melo, Bolsonaro guia sua atuação nesse momento pelo diagnóstico de que a economia é potencialmente desestabilizadora e o risco de mais desemprego e pobreza podem afetar suas chances de reeleição. “Os efeitos sanitários da crise tendem a se prolongar por quatro a seis meses, mas os efeitos sobre a economia serão longos e devastadores”, diz ele. Na sua avaliação, contudo, Bolsonaro erra ao achar que seria possível jogar toda a culpa (a sanitária e a econômica) no colo dos governadores. “O tiro saiu pela culatra e o presidente passa a ser visto como ameaça”.

Lara Mesquita avalia que Bolsonaro optou por se afastar das medidas (sejam as econômicas, sejam as sanitárias) e nunca assumiu uma liderança diante da crise, como se quisesse negar a existência da pandemia. Para ela, a crise política já estava colocada e se acirraria ao longo do ano mesmo sem a pandemia. A saída de Sérgio Moro é um exemplo do que poderia ter acontecido mesmo sem a atual crise sanitária. “Essa saída está associada a interesses pessoais do presidente”, disse ela.

Lara Mesquista, do Cepesp/FGV e Cebrap: Bolsonaro nunca assumiu postura de liderança

No Brasil, a gestão de hospitais e serviços de saúde é feita majoritariamente pelos Estados e por isso o presidente pode se dar ao luxo de negar a pandemia, mas governadores e prefeitos não podem fazer isso porque as filas começam a se formar na porta dos hospitais e a conta chega diretamente para eles, argumentou Mesquita.

Ela vê nesta situação uma “armadilha do federalismo”. “Mesmo a estrutura federalista não sendo tão forte como a  americana, ela ajuda o Bolsonaro porque permite que ele fale só de economia, que não se preocupe com a questão sanitária diretamente. Ao mesmo tempo, a eficiência da ação dos governadores fortalece o discurso do presidente, quando ele diz ‘olha não é tão grave, morre mais gente no trânsito, é uma gripezinha”, disse Mesquita. Para a pesquisadora, é uma surpresa tanto o fato da rede bolsonarista continuar tão ativa como a pequena queda (de 30% para 25%) na popularidade do presidente, diante do caos do país.

Maria Herminia Tavares de Almeira - debate Cebrap
Maria Herminia Tavares de Almeida, do Cebrap: quais as alternativas possíveis?

Embora concordem com a ideia de tripla crise, que afeta e inviabiliza o atual modelo de governo, os três palestrantes discordam sobre o que pode acontecer nos próximos meses.  A professora Maria Hermínia Tavares de Almeida, coordenadora do debate, desenhou quatro saídas para a atual situação e pediu a opinião dos debatedores: o país fica nessa crise e nesse sufoco até as próximas eleições; o governo aproveita piora da situação para desenhar uma alternativa mais autoritária; renúncia ou impeachment, sendo que nestas duas últimas opções,  a presidência seria assumida pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

Fabiano Santos aposta em uma “quinta” alternativa. Ele vê sinais de “pretorianismo” na política brasileira, e apontou tanto a forte crise entre o governo e o Supremo Tribunal Federal  como a ameaça de quebra de hierarquia entre os militares (pelas políticas de Bolsonaro a favor das patentes mais baixas na hierarquia). “Isso vai implodir”, pondera, argumentando que pode haver uma tentativa de endurecimento, embora ele não veja apoio para essa hipótese pela falta de apoio popular e econômico, entre outros. Para ele, o impeachment não é uma saída viável porque Mourão não é uma alternativa para o day after na visão do Congresso. “Mourão diz que cada um sabe o tamanho da sua cadeira, e a dele é imensa”. A alternativa, diz, é uma negociação que passe pela desmilitarização e com Mourão assumindo apenas como chefe de Estado.

Melo considera que a possibilidade de afastamento é baixa, mas não é impossível que aconteça. Para ele, o fato de Mourão vir do mesmo campo político que o presidente “facilita” esse arranjo, que traz como “vantagem” a redução de riscos, como o clã familiar e as pautas comportamentais, além de ser visto como capaz de trazer mais segurança para os agentes econômicos.

Lara Mesquita avalia que a alternativa mais provável é que o país siga nessa crise até a próxima eleição, a não ser que a crise sanitária se torne tão grave que provoque a saída do presidente. “Mas neste momento, a possibilidade de vivermos nessa crise até 2022 me parece a alternativa mais provável, embora pareça a pior para o país, em termos de condução da crise sanitária, da crise econômica e da organização dos grupos políticos pois ela fragmenta a direita e a esquerda”, argumentou.  Ela argumentou que não existe impeachment sem costura com o Congresso e até agora os militares não se mostraram hábeis nessa tarefa, enquanto Bolsonaro está negociando com o centrão e ofertando cargos de segundo e terceiro escalão para formar um colchão e criar uma alternativa

Você pode assistir à itnegra do debate no canal do Cebtap no youtube, neste link.

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