Por Guilherme Russo*
Uma série de estudos tem mostrado que indivíduos que apoiam o governo do presidente Jair Bolsonaro têm diferentes atitudes e comportamentos em relação à pandemia em comparação aqueles que não apoiam. Especificamente, as pesquisas indicam que apoiadores do presidente se sentem mais seguros para sair de casa, confiam menos nos meios de comunicação e veem um risco menor de ser contaminados. Outras pesquisas têm indicado que os discursos do presidente também levaram aqueles que o apoiam a se preocupar menos com a pandemia, se interessar mais pela cloroquina, sair mais de casa, o que pode até ter levado a um maior número de mortes.
É importante notar, entretanto, que algumas diferenças de opinião sobre a influência que estudos científicos devem ter na formulação de políticas públicas existiam antes da pandemia. Mais precisamente, os integrantes do “núcleo duro” de apoiadores do presidente já eram menos favoráveis à ideia de que o governo deve levar em consideração estudos feitos por professores e cientistas das universidades nas decisões de políticas. Segundo os dados da pesquisa Barômetro das Américas conduzida em fevereiro de 2019, portanto no início do mandato do presidente, aqueles que se identificavam com o PSL, o partido do presidente na época, apresentavam um nível de apoio ao uso de pesquisas acadêmicas na formulação de políticas públicas significativamente menor que entrevistados que votaram no presidente, mas não se identificavam com o PSL, aqueles que reportam ter votado em Fernando Haddad ou que não votaram em nenhum dos dois.

Essa diferença média é robusta a análises mais sofisticadas que levam em consideração uma série de fatores sociodemográficos como idade, educação, religião, e zona de residência. É interessante notar que aqueles que se identificavam com o PSL também apoiavam menos, em média, a opinião de partidos políticos e organizações da sociedade civil nas decisões sobre políticas públicas.

Por outro lado, esse grupo considerava mais importante a opinião da população na formulação de políticas quando comparado àqueles que não se identificavam com o PSL no momento de coleta dos dados. Essas diferenças, com exceção da influência de partidos políticos, também são estatisticamente significativas quando comparadas aos eleitores de Fernando Haddad no primeiro turno.

Esses resultados indicam que o ceticismo relativo do “núcleo duro” de apoiadores do presidente em relação às informações cientifícas não surgiu com a pandemia ou com os recentes discursos do presidente, ainda que estes eventos podem ter influenciado. Importante notar também que essas diferenças iniciais entre grupos dificultam a atribuição de causalidade a estimativas da diferença de impacto dos discursos do presidente, isto é, estimativas de efeitos heterogêneos com interação entre um “tratamento” e variável não manipulada.
A pesquisa do Barômetro das Américas no Brasil foi conduzida pelo Projeto de Opinião Pública da América Latina (LAPOP) em parceria com o FGV Cepesp e FGV Clear, e realizou 1498 entrevistas face-a-face entre os dias 29 de Janeiro e 3 de Março de 2019. Você encontra mais informações sobre a pesquisa no nosso blog aqui e aqui. Para informações técnicas sobre o questionário, amostra, taxas de resposta e controle de qualidade, veja o documento em inglês no site do LAPOP aqui, e para outras pesquisas do Barômetro das Américas, clique aqui.
*Guilherme Russo é pesquisador do Cepesp