A incerteza que a epidemia do coronavírus adicionou às eleições municipais deste ano não se restringe ao calendário eleitoral. Embora o número de candidatos à vereador deva ser muito superior ao de 2016 por conta das novas regras eleitorais, a epidemia vai afetar a capacidade de mobilização dos partidos, os recursos disponíveis e também as informações com que os partidos contam para definir suas estratégias eleitorais, como as pesquisas de intenção de voto. Esses foram alguns pontos apontados por Lara Mesquita, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (Cepesp FGV) no debate “As eleições municipais de 2020”, realizado na quarta-feira, 27 de maio, que também teve a participação de Humberto Dantas, do CLP LIderança Política, e foi coordenador por Gabriela Guiotti Testa, professora da FGV EPPG.

Para Dantas, 2020 será a segunda eleição municipal consecutiva realizada em um cenário de grande incerteza. Em 2016, lembrou, o Congresso Nacional e o país estavam discutindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), Donald Trump estava em campanha nos Estados Unidos (e foi eleito em novembro), regras eleitorais tinham reduzido o tempo de campanha política e foi o primeiro pleito sem o dinheiro empresarial entrando nos caixas do partidos. “Aquela foi uma eleição quase em segredo, ofuscada pelo impeachment e também por Trump”, observou.
Se 2016 passou quase despercebida, neste ponto 2020 pode ser diferente, dado o protagonismo que prefeitos estão tendo (para o bem ou para o mal) no combate à epidemia do coronavírus. Os dois debatedores concordaram que a epidemia (e seu combate) tende a favorecer candidatos incumbentes (que estão no poder). “Em muitas cidades os prefeitos apareceram e estão sendo vistos como heróis”, ponderou Dantas.
Mesquita apresentou estimativas feitas pelo Cepesp, em conjunto com Guilherme Russo e outros pesquisadores do Centro, sobre o número de vereadores para as eleições municipais diante das novas regras que proibiram as coligações para as eleições ao Legislativo. Assim, cada partido terá que lançar sua própria chapa de candidatos a vereador. Em 2016, no Brasil todo 461.901 pessoas apresentaram registro de candidatura a um posto de vereador, uma média de 7,97 candidatos por vaga. Entre diferentes hipóteses (feitas em fevereiro, antes da dimensão que a epidemia teria ficar clara) consideradas para estimar o número possível de candidatos em 2020, os pesquisadores consideram que o total poderia dobrar no país, chegando a 959 mil e cerca de 16,55 por vaga. Nesta estimativa foi considerado que haverá alguma coordenação entre os partidos para evitar que os candidatos a vereador dos partidos que estarão coligados para prefeitos se “canibalizem”.

Mesquita lembrou que as eleições municipais são importantes para reforçar partidos e candidatos no pleito de 2022, essa sim a eleição que garante maior acesso aos recursos do fundo partidário. Por isso, mesmo em um cenário de maior temor para fazer campanha de rua, menor disponibilidade de recursos (porque a renda das famílias e dos eventuais candidatos e doadores está sendo afetada pela forte crise econômica) e menor potencial de mobilização, o número de candidatos a vereador tende a crescer substancialmente. Talvez menos do que no cenário desenhado em fevereiro, mas muito superior a 2016.
Como o calendário eleitoral de convenções partidárias, inscrição de chapas, início da campanha, etc, é definido com base em X dias (45, 30, 60 , etc) antes da data da eleição, se esse dia mudar outras etapas do calendário serão revistas junto, observou a pesquisadora do Cepesp. Há dúvidas, contudo, sobre datas que já passaram, como o prazo para os partidos políticos aprovarem a filiação de seus candidatos, que encerrou em 4 de abril. Se essa data será mantida ou se o STE vai considerar outra data como limite para esta questão é uma das incertezas, na hipótese da data da eleição ser alterada.
Os debatedores também responderam perguntas dos participantes, entre elas a extensão do mandato dos atuais prefeitos e vereadores até 2022. Dantas foi sucinto e claro: “Isso é golpe”. Mesquita já havia abordado esse ponto no início da sua apresentação ao se referir ao discurso de posse do ministro Luís Roberto Barroso como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).”Foi um conforto ouvir dele que o calendário não será unificado”, disse a pesquisadora do Cepesp.
Mais informações sobre as estimativas feitas pelos pesquisadores do Cepesp sobre o número de vereadores podem ser encontradas aqui.