Cepesp e prefeitura de São José dos Campos apresentam modelo inovador para transporte público

CEPESP  |  15 de maio de 2020
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O Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (Cepesp/FGV) concluiu, em parceria com a Prefeitura de São José dos Campos, a proposta para a reformulação do transporte público do município e apresentou o novo modelo para o Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (Comob) local na última sexta-feira. O pré-edital entrou em fase de consulta pública e será apresentado e debatido com a população em diversas reuniões (com acesso digital) e a discussão final ocorrerá em audiência pública no dia 27 de maio, com presença física controlada e amplo acesso digital. Todo o projeto, da reformulação das linhas à modelagem jurídico-financeira, foi desenvolvido em parceria com a prefeitura pela área de pesquisa em economia urbana do Cepesp, sob a coordenação do professor Ciro Biderman.

O modelo traz como grande novidade possuir linhas que se adequam conforme a demanda, incorporando uma tendência de mercados inovadores, que oferecem serviços mais customizados e flexíveis, ao gosto de momento do usuário. Exemplos de empresas com serviço sob demanda vão desde entretenimento, como Netflix e HBOGo, passando por hotelaria como AirBnB, até transporte individual como Uber e 99. No transporte coletivo, o serviço sob demanda será vantajoso por apresentar, por exemplo, alteração de linhas para melhor atender aos usuários, além de  horários  mais flexíveis, com oferta extra, adicional ao fluxo regular de ônibus. Para facilitar esse atendimento, o novo modelo incorpora veículos menores ao transporte público de São José dos Campos e prevê a licitação de aplicativos para desenvolver a comunicação com a população e para organização do serviço sob demanda.

Com a pandemia do COVID-19, os sistemas de transporte público entraram em uma crise brutal. Assim como o transporte aéreo, o transporte urbano assistiu sua demanda despencar de um dia para o outro. A reação econômica foi restringir a oferta para não incorrer em prejuízos incontroláveis. O resultado foram linhas circulando com muito poucos passageiros (não obstante a redução na oferta) e outras lotadas, o que é absolutamente indesejável em uma situação de contágio como a que estamos vivendo. Se a cidade já tivesse um sistema responsivo à demanda, seria possível garantir uma oferta consistente com a situação de contágio para todas as linhas.

Biderman destacou no começo da apresentação que atualmente o transporte nas grandes cidades é muito concentrado em automóveis individuais, o que gera alta emissão de poluentes, representando um padrão que não é mais aceitável. “A ideia é que a gente caminhe para o pedestre ser a primeira prioridade, depois a bicicleta e o ônibus, e por último os automóveis”, disse ele. “Queremos usar a inovação para chegar nessa lógica [de funcionamento da mobilidade]”, explicou.

A segunda ideia central da reformulação proposta é separar a tecnologia necessária hoje em dia para garantir um transporte público de qualidade da concessão do serviço de ônibus. Hoje em dia as concessionárias de ônibus são responsáveis pelos dois serviços. Essa desvinculação é que vai permitir avanços em tecnologia sem precedentes em outras licitações nacionais e internacionais. Além do mais, garante maior transparência e resolve um problema de conflito de interesses: a mesma empresa presta o serviço controla suas receitas hoje em dia.

A terceira proposta é partir para o que se chama hoje “mobilidade como serviço”, que representa a integração de todos os modais em uma única plataforma, tanto do ponto de vista operacional como tarifário. Ainda que essa ideia esteja na pauta de diversas cidades, até o momento nenhuma delas conseguiu implementar de fato um modelo com tamanha flexibilidade.

Além destas três mudanças, o modelo partiu de três premissas: a modicidade tarifária, a melhora no conforto dos usuários nos veículos e na frequência de viagens, e um sistema confiável, no qual o usuário possa se programar com maior segurança no cumprimento dos horários de circulação.

Matheus Barboza, pesquisador do Cepesp, apresentou a reformulação das linhas e mostrou como funcionaria o sistema sob demanda. Na primeira imagem, a linha original é alterada após identificação da demanda de usuários. Na segunda, o trajeto é fixo, mas o terceiro ônibus é liberado após identificação de uma procura adicional, superior ao normal, para garantir a qualidade do serviço.



A reformulação também introduz linhas locais, que serão atendidas por van e micro-ônibus, e linhas perimetrais, que ligam áreas importantes da cidade sem passar pelo centro. No conjunto, o tempo de viagem dos usuários irá reduzir consideravelmente pelo aumento da frequência, garantida por essa integração de linhas locais e regulares. Na rede proposta, mais de 40% das linhas vão operar com intervalo médio inferior a 20 minutos, enquanto na rede atual menos de 20% das linhas alcançam essa frequência. Além disso, linhas com intervalo acima de 1 hora passam a representar 20% na rede proposta (especialmente em áreas rurais), uma redução pela metade considerando as mais de 40% das linhas atuais com intervalo superior a 1 hora. No total, a frota será ampliada dos atuais 389 veículos para 513, entre ônibus, micro-ônibus e vans.

A futura concessão do transporte público em São José dos Campos está prevista para entrar em operação no primeiro semestre de 2021, quando se encerram os atuais contratos. A imagem abaixo aponta como ficará a nova rede, considerando as linhas normais, locais e perimetrais.

O serviço sob demanda terá um modelo de tarifa fixa (a mesma tarifa de toda a rede de transporte público da cidade operando na periferia com compromisso de frequência mínima) e tarifa flexível (para linhas operando nas regiões mais densas sem um compromisso de frequência). O primeiro modelo de serviço sob demanda já estará considerado na receita principal do operador no momento da concessão, uma novidade em relação a outras cidades onde já existe oferta responsiva à demanda.

A pesquisadora do Cepesp, Sarah Marinho, explicou que a oferta do serviço sob demanda de tarifa flexível, quando autorizada, representará receita adicional para as concessionárias de transporte, que terão de repassar um percentual dessa receita para a prefeitura, que deve utilizar o recurso na melhoria dos serviços oferecidos mediante a tarifa pública fixa (sob demanda ou não) ou mesmo utilizar para incentivar o uso de transporte ativos como bicicleta e caminhada.

A concessão será outorgada em dois lotes e a empresa vencedora será a que tiver ofertado a menor tarifa de remuneração para prestar os serviços descritos. A tarifa técnica de referência seria hoje de R$ 4,67 para o lote 1 e R$ 5,04 para o lote 2, segundo o pesquisador do Cepesp, Leonardo Bueno, que explicou que os dois lotes consideram uma taxa interna de retorno de 8,44%, e que a concessão terá prazo de 10 anos. As tarifas de referência são diferentes para a remuneração das concessionárias, pois operar cada lote vai demandar uma estrutura de custos própria. Entretanto, para os usuários do transporte público valerá uma tarifa pública única, a ser definida pela prefeitura no menor patamar possível depois do encerramento da licitação.

A título comparativo, a tarifa técnica que remunera as concessionárias de transporte atuais de São José dos Campos é de R$ 5,04 para todos os lotes de serviço. A tarifa de referência ponderada para os dois lotes ficou definida em R$ 4,98, ou seja, abaixo da atual de R$5,04. Assim, as tarifas técnicas de referência fixadas como limite para a próxima concessão devem contribuir para baixar a tarifa que os usuários pagam atualmente. No novo sistema não há a figura do cobrador (apenas o agente de operação), mas serão necessários novos motoristas. Por isso, embora a redução total de funcionários esteja prevista em 11%, a massa salarial cairá apenas 3% pois serão substituídos funcionários com baixa qualificação por funcionários mais qualificados e, portanto, com salários mais elevados.

A Prefeitura de São José dos Campos e o Cepesp/FGV firmaram em janeiro de 2019 o contrato para a realização de estudos, análise, acompanhamento e reformulação do atual sistema do transporte coletivo da cidade, com o objetivo de preparar a nova concessão do transporte público. Essa parceria gerou um dos modelos mais inovadores do mundo na concessão do serviço de ônibus e da tecnologia por trás do mesmo.

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