“Não sou político”. Não, obrigado.

CEPESP  |  16 de novembro de 2017
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A quem serve o discurso de negação da Política? O discurso de que a atividade política não presta, de que ela é naturalmente corrupta e que causa mais danos do que benefícios para a sociedade tem ganhado proeminência nos últimos tempos, especialmente no Brasil. Em 2016, observamos essa narrativa ganhar força quando analisamos as eleições municipais. Foi comum no discurso dos candidatos a afirmação de que não eram políticos, mas gestores, médicos, advogados, etc. Estes candidatos anunciaram a falta de experiência política ou a ausência de vida partidária como trunfo, como algo bom e desejável. Fora os ganhos de marketing político podemos ver que a ideia de que é possível pensar a sociedade descolada da política, como no caso da proposta absurda de escolas “sem partido”, é cada vez mais presente.

Isso nos traz perguntas importantes: Quem está ganhando com este discurso? Quais as consequências que isso pode trazer para o sistema político?

Bernardinho e Huck
O treinador de vôlei, Bernardinho, pré-candidato ao governo do Rio pelo partido Novo, e o apresentador de televisão Luciano Huck, cotado à Presidência por PPS ou pelo DEM

A Política é a atividade social que envolve as relações de poder, ou seja, aquelas que se referem a quem manda e a quem obedece. Ter poder significa ser capaz de mandar e ter suas ordens cumpridas. A Política é, portanto, o conjunto de esforços feitos com vistas a participar do poder ou influenciar a divisão deste, seja entre Estados ou no seu interior. Esse é um fenômeno inerente à nossa sociedade. Assim, ao assumir que existam atores apolíticos, presume-se erroneamente que haja indivíduos/organizações/instituições imunes às disputas de poder joga-se uma cortina de fumaça sobre esse conflito e deixa-se de discutir sobre por quem e como esse poder é exercido. Esse debate é muito importante para a compreensão dos mecanismos de dominação que agem sobre a sociedade.

E quem se favorece mais com a popularidade desse discurso?

Os que se vendem como “gestores” vindos do setor privado. Aqueles que, apesar de se dizerem outsiders, já exercem o poder ou influenciam o poder. Não existe gestão sem relação de mando e obediência.

Huck e Doria
O apresentador de televisão Luciano Huck, cotado à candidato à Presidência pelo PPS ou pelo DEM, e João Dória, empresário do LIDE e hoje prefeito da cidade de São Paulo pelo PSDB

A gestão envolve poder e assim um gestor se afirmar apolítico é, no mínimo, suspeito. Estes gestores são no fundo a expressão do próprio status quo. São nada mais do que as elites econômicas e políticas que já dominam a sociedade e representam a continuidade da ordem vigente.

Ser somente “gestor” sem nenhuma experiência tampouco deveria representar uma virtude. Não parece uma boa prática de administração pública colocar para tomar decisões pessoas sem o menor conhecimento de processos e de funcionamento da máquina. Bons gestores não contratariam profissionais sem a menor experiência para lhes prestar serviços. As dinâmicas do setor público são muito diferentes das existentes no setor privado. A

Além disso, é importante frisar que os espaços de poder nunca ficam desocupados. Quando nos deixamos levar pelo discurso da não-política, abrimos espaço para que os setores que sempre se utilizaram de sua influência mantenham sua posição privilegiada.

Quais as consequências que o triunfo desse tipo de discurso pode incorrer ao sistema político? Com a condenação moral da política, ações que fazem parte do processo democrático como negociação, formação de acordos, de coalizões ou a concessão aos adversários de algum benefício em prol da construção de uma plataforma conjunta são deslegitimadas. Promove-se a figura do gestor autoritário, que não perde tempo negociando e que se enclausura em seu gabinete na hora de tomar as decisões. Fortalecer essa imagem é abrir um flanco de oportunidade para pessoas sem nenhuma capacidade de construção de consensos, capazes apenas de impor seus pontos de vista. A deslegitimação da atividade política abre espaço para autoritarismos. Não há algo mais antidemocrático. Não há como o país avançar dessa maneira.

A Política é inerente à nossa sociedade. Não há como escapar dela. Precisamos nos esforçar para melhorar seu exercício. E isso se faz com mais política, não com menos.

É preciso melhorar e aumentar as discussões ao invés de negá-las simplesmente. Acreditar que o privado é sempre melhor que o público ou que a técnica sempre prevalece sobre a política é um equívoco que pode ser facilmente aproveitado politicamente por quem tem interesse em enfraquecer a disputa democrática.

Oligarquias e elites nascem, crescem, perdem espaço e desparecem, mas sempre tentarão se manter por cima. O discurso de negação da política é mais uma forma encontrada pelos poderosos de distanciar parte importante da população das decisões relevantes, de alienar grandes contingentes das decisões importantes. A atuação política é, portanto, fundamental para a emancipação e o empoderamento dos cidadãos e para garantir o avanço de direitos e conquistas sociais.

Negar a Política é abrir espaço para pessoas sem compromisso com a democracia atuarem diretamente nas decisões públicas. O resultado pode ser mais atraso e menos desenvolvimento para nossa sociedade.

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Texto de Arthur Fisch e Ivan Mardegan, pesquisadores assistentes do CEPESP e doutorandos em Administração Pública e Governo pela FGV, em São Paulo.

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