CEPESP  |  22 de agosto de 2017
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Manifestantes e servidores da CGU protestam em Brasília em 2015 (portal G1)

Os escândalos envolvendo a máquina pública federal revelados por diversas operações de policiais e procuradores federais desde 2014 (como Lava Jato, Zelotes entre outras) deixam um ponto em suspenso: o que estava fazendo a Controladoria Geral da União (CGU)? Principal braço do aparato de controle interno, a CGU – agora chamada de Ministério da Transparência – falhou. Mas nem por isso deixa de ser um órgão crucial à administração pública brasileira. O problema é que, dada a competição com outros agentes, que tem “surrupiado” os acordos de leniência, o futuro da CGU está sob risco.

Essa é a avaliação do cientista político Sérgio Praça, pesquisador do CEPESP, que abre hoje a série “5 Perguntas Para“.

O blog do CEPESP preparou uma rodada de cinco perguntas para os pesquisadores do nosso centro sobre os principais temas do momento. Hoje estamos com Sérgio Praça, mestre e doutor em Ciência Política pela USP e pós-doutorado em Administração Pública e Governo pela FGV-SP. Pesquisador do CEPESP, Praça tem estudado muito de perto os partidos políticos e a corrupção no Brasil.

Na entrevista a seguir ele trata também das eleições de 2018 e avalia a nova procuradora-geral da República, que assumirá a PGR dentro de três semanas.

Leia logo abaixo!

1) Estamos prestes a entrar no ciclo eleitoral de 2018. Foi justamente das últimas eleições para cá que tudo mudou: a Lava Jato revelou o esquema de corrupção na Petrobras, outro no governo do Rio de Janeiro e, mais recentemente, a relação da JBS com os partidos. A corrupção tem sido o tema principal do Brasil há três anos consecutivos. O que esperar da reação do sistema tradicional frente à primeira eleição geral pós-Lava Jato?

Sérgio Praça: Políticos em todo o mundo têm uma coisa em comum: buscam a sobrevivência política. Pode ser através da reeleição, da conquista de cargos como secretarias estaduais e municipais, ou mesmo cargos de confiança. Qualquer reforma eleitoral tem que ser entendida levando isso em conta, embora, é claro, o assunto não se esgote aí. Difícil dizer, no momento, se o Distritão ou outra reforma no sistema eleitoral será aprovada. O fato é que o cenário é de extrema incerteza e a sobrevivência dos políticos tradicionais está longe de ser assegurada.

2) Como deve se comportar e o que esperar de Raquel Dodge, que assumirá a Procuradoria Geral da República (PGR) no mês que vem?

Sérgio Praça: Reunir-se com Michel Temer à noite, às escondidas, para supostamente tratar de questão cerimonial é um péssimo prefácio ao trabalho da nova Procuradora-Geral da República. Está longe de significar, no entanto, que Raquel Dodge destruirá a Lava Jato ou coisa parecida. A força-tarefa continua e agora as principais decisões estão com o Supremo Tribunal Federal, pois as implicações da investigação apontam para políticos com foro privilegiado. Podemos esperar, para variar, que procuradores como Deltan Dallagnol e Carlos Lima façam gritaria sobre “o fim da Lava Jato” etc. Devem ser ignorados.

3) De 2014 até agora, assistimos à uma ascensão dos órgãos de controle: Ministério Público, Polícia Federal, Tribunal de Contas da União, Coaf, além do trabalho da imprensa, tradicional e digital. Mais recentemente, um bate-cabeça começou, com problemas orçamentários e de delimitação dos poderes de cada um. Como organizar todos os instrumentos de controle de forma a tornar o combate à corrupção algo não limitado apenas à Lava Jato e a uma ou outra operação adjacente (como Zelotes)?

Sérgio Praça: As disputas jurisdicionais sempre irão acontecer. As leis anticorrupção e de combate ao crime organizado, aprovadas no segundo semestre de 2013, são muito boas, mas têm uma falha: distribuem mal as competências entre órgãos de controle. Há também uma enorme diferença de cultura entre auditores (CGU, TCU) e bacharéis (MPF, Polícia Federal) – sem contar a possibilidade de interferência política (por enquanto baixa) em órgãos como a CGU e Polícia Federal. Organizar todos os instrumentos de controle é pouco factível, mas é possível, como tem acontecido na Lava Jato, que a reputação de todos melhora à medida que políticos e empresários corruptos são punidos. Por enquanto, o saldo não é positivo nem negativo apenas para a CGU. Todos os outros se beneficiaram.

Sergio Praça
Sérgio Praça, cientista político e pesquisador do CEPESP

4) Com tantos órgãos de controle externo à administração pública, juntos ou não, desbaratando diversos esquemas ilegais – de corrupção, de fraude fiscal, de evasão tributária, de compra de votos etc. – que papel teve o controle interno institucional? Ele falhou?

Sérgio Praça: A Controladoria-Geral da União, principal responsável pelo controle interno no Executivo federal, falhou, sim. Não soube alertar a sociedade sobre muita coisa de ruim que estava acontecendo. Mas isso é em parte consequência da falta de “dente” que a CGU tem face a órgãos como o MPF, TCU etc. A grande tarefa da CGU, firmar acordos de leniência, tem sido surrupiada por outros órgãos. Sou um admirador da instituição e temo pelo seu futuro.

5) Os dois partidos que lideraram as disputas eleitorais nacionais de 1994 a 2014 estão vivendo seu momento mais dramático e constrangedor – PT e PSDB. Ao mesmo tempo, o PMDB, que ofereceu apoio aos dois em diversos momentos, está no poder, acossado pela Lava Jato e sem apoio popular. As eleições de 2018 podem ser o obituário dos partidos que forjaram a Nova República?

Sérgio Praça: Nenhum desses partidos mostra intenção séria de se reinventar. Nem acho que teriam como, pois o desgaste da Lava Jato é imenso. Por incrível que pareça, o PSDB parece ser o partido que sofreu maior baque. O PT de alguma maneira se segura à figura de Lula e o PMDB continua como se nada estivesse acontecendo. O perigo, especialmente para PMDB e PSDB, é o enfraquecimento das redes municipais de sustentação ao partido. Sem cláusula de barreira, a fragmentação partidária em 2018 na Câmara dos Deputados será ainda maior.

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Perguntas para Sérgio Praça formuladas por João Villaverde, pesquisador do CEPESP, da FGV em São Paulo.

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