O livro do pesquisador do Cepesp Carlos Pereira Making Brazil Work: Checking the President in a Multiparty System, escrito em parceria com o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcus André Melo, foi um dos destaques do caderno Eu & Fim de Semana, do jornal Valor Econômico.
A obra traz uma análise do sistema partidário brasileiro e demonstra como, diferentemente do que sugeria a literatura da ciência política da década de 1990, o presidencialismo multipartidário do Brasil se transformou em um democracia forte e com um governo estável.
Leia abaixo a íntegra da matéria.
Do caos à ordem, sob controle
“Caos”, inscrição gravada no carimbo que ilustra a capa do livro “Making Brazil Work”, de Carlos Pereira e Marcus André Melo, não representa o que é hoje o sistema político brasileiro. É, na verdade, sua antítese. O caos presumido na combinação de presidencialismo com fragmentação partidária está longe do cenário nacional, afirma Pereira. “Ordem”, que se lê em outro carimbo, na contracapa, é o que caracterizaria a realidade política brasileira. Associadas, as ilustrações, baseadas na obra “Ordem versus Caos”, do artista plástico José Paulo, sintetizam a contraposição dos conceitos.
Pereira é professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape) da FGV-Rio. Melo é “fellow” na John Simon Guggenheim Foundation e professor associado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
A combinação de presidencialismo e multipartidarismo, ao contrário do que se diz, pode gerar ordem e equilíbrio no sistema político. Para isso, explica Pereira, algumas condições devem ser observadas. O presidente deve ser constitucionalmente forte, com poderes de legislar e capacidade de influenciar diretamente a agenda do Congresso Nacional e de implementar seu programa de governo – o que tem acontecido nos últimos mandatos presidenciais.
Outra condição, observa, é o presidente dispor de uma “caixa de ferramentas” institucionalizada, com moedas de troca discricionárias, capazes de atrair partidos e parceiros políticos para sua coalizão. Por último, o sistema político deve prover uma rede de instituições de controle e responsabilização, capazes de checar e estabelecer limites para as ações do presidente. “Ou seja, a existência de um presidente poderoso e com ferramentas discricionárias de formação de maiorias legislativas não seria sinônimo de cheque em branco.”
Para que esse círculo virtuoso da democracia funcione e a combinação institucional de presidencialismo e fragmentação partidária possa ser benéfica é necessária a existência de um Judiciário independente, um Ministério Público combativo, Tribunais de Contas ativos, uma Polícia Federal atuante no combate à corrupção, uma imprensa independente e investigativa. “Todos esses instrumentos, entre outros, devem ter capacidade de dizer ‘não’ aos excessos e potenciais desvios desse presidente. Para se controlar um ‘cachorro grande’ é de fundamental importância uma ‘coleira’ forte”, comenta Pereira.
Fisiologismos partidários, comuns no sistema político em alianças pragmáticas e ideologicamente díspares, são relativizados por Pereira. “Sempre haverá contrapartidas (‘trade-offs’) em qualquer sistema político democrático. Não existe um sistema político ideal. Resta à sociedade decidir, ao longo de sua história, que preço prefere pagar e que benefício pretende usufruir de seu sistema político.” Ele vê como positivo o fato de o sistema brasileiro privilegiar a inclusão representativa dos mais variados interesses da sociedade no jogo político, sendo, assim, “inclusivo e democrático”.
Ao mesmo tempo, porém, esse sistema é muito fragmentado e de difícil coordenação. A ocorrência de caos ou ordem, argumenta Pereira, vai depender fundamentalmente das estratégias de gerência de coalizões implementadas pelo presidente. “Se o presidente preferir montar sua coalizão com um grande número de partidos, com aliados ideologicamente heterogêneos e não compartilhar poder com parceiros, levando em consideração seus pesos políticos no Congresso, fatalmente os custos governativos serão maiores, mais problemas de coordenação vão emergir e maiores serão as necessidades de recompensas paralelas para disciplinar a coalizão política no Congresso. Portanto, a forma como o presidente gerencia sua coalizão importa para o sucesso de presidencialismos multipartidários.”
Mesmo considerando o modelo democrático brasileiro um sucesso, Pereira reconhece “um mal-estar” na política a partir das manifestações de junho. “A questão é saber se esse mal-estar decorre das instituições políticas, ou melhor, do sistema presidencialista multipartidário.” Ele lembra que mecanismos de controle democráticos, como Ministério Público, Polícia Federal e imprensa, têm dado mais visibilidade aos casos de corrupção. Em sua opinião, as causas do descontentamento popular são de outra ordem. “As razões da desordem devem ser buscadas nas ineficiências e na baixa qualidade das próprias políticas públicas governamentais.”
Veja mais em: http://www.valor.com.br/cultura/3316120/do-caos-ordem-sob-controle#ixzz2irpb4RqN