Estados flexibilizam regras, adesão popular cai, mas óbitos pela Covid-19 são quase 100 mil, alerta estudo

CEPESP  |  3 de agosto de 2020
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O Brasil está perto de 100 mil mortes pela Covid-19. Entender as razões que levaram o país a essa triste marca é o objeto da nota técnica 18 da Rede de Pesquisa Solidária. Para os pesquisadores, “as justificativas para a flexibilização das medidas de contenção da Covid nos estados procuram transmitir a ideia de que a pandemia está chegando ao fim. Nada mais enganoso. Quando o Brasil se aproxima de 100 mil mortes pela Covid-19, não há como esconder a gravidade da situação, a elevada letalidade da pandemia no país e muito menos a responsabilidade das autoridades públicas pela tragédia brasileira”.

Entre outras conclusões do estudo, os pesquisadores listam que todos os estados brasileiros, sem exceção, estão nos estágios mais elevados de risco, quando classificados pelos critérios do Instituto de Saúde Global de Harvard, medidos pela média de novos casos de Covid-19; entre maio e julho, 25 estados relaxaram as medidas de distanciamento físico e vários governadores flexibilizam suas políticas mesmo diante do crescimento da taxa de infecção e de mortes, sendo que a média de novas mortes diárias foi pelo menos 100% maior em junho do que em maio em 17 estados; os dados de testagem e as compras estaduais confirmam que a maioria dos estados brasileiros optou pela aplicação de testes sorológicos, principalmente os chamados testes rápidos, que não são utilizados no diagnóstico de pessoas infectadas e, portanto, não são os mais indicados para o controle da pandemia.

Com a preocupação de orientar e recomendar políticas para o controle  da pandemia, o Instituto de Saúde Global de Harvard divulgou um mapa que classifica as regiões e localidades segundo o nível de risco de incidência da COVID-19, construído a partir da incidência de novos casos diários da doença por 100 mil habitantes. Por esse critério, a cor vermelha indica risco alto e mais de 25 novos casos por 100 mil habitantes, e a cor laranja, risco moderado-alto com incidência de novos casos por 100 mil habitantes entre 10 e 25, e as cores amarela e verde apontam índices inferiores. 

A Rede de Pesquisa Solidária adaptou os critérios de Harvard e avaliou os riscos de agravamento da pandemia no Brasil com base nos dados das secretarias estaduais de saúde baseado na média de novos casos de COVID-19 entre os dias 19 e 25 de julho. Os resultados indicam que todos os estados brasileiros, sem exceção, se encontram nas duas zonas mais elevadas dos quatro níveis de risco possíveis. Em outras palavras, após cinco meses de pandemia, não há nenhum estado brasileiro com risco baixo ou moderado-baixo de transmissão da COVID-19.


Fonte: Rede de Pesquisa Solidária, com base no banco de dados compilado por Cota (2020). Média entre 19 e 25 de julho de 2020.

Como mostra a imagem acima, 15 estados estavam em situação de risco moderado-alto (em laranja) e os 11 estados restantes, mais o Distrito Federal, apresentaram risco alto (em vermelho), na semana de 19 a 25 de julho. Na avaliação dos pesquisadores, “os altos níveis e a proximidade da marca de 100 mil óbitos reforçaram a necessidade de se avaliar as estratégias de controle da pandemia desenvolvidas internacionalmente” e eles fizeram isso a partir de duas medidas que apresentaram maior eficiência na redução das taxas de transmissão e de letalidade do vírus:  a testagem em massa, seguida pelo rastreamento de contato e isolamento de pessoas infectadas e seus contatos, e o distanciamento social.

De acordo com o estudo, “os dados de testagem e as compras estaduais confirmam que a maioria dos estados brasileiros optou pela aplicação de testes sorológicos, principalmente os chamados testes rápidos, que não são utilizados no diagnóstico de pessoas infectadas e, portanto, não são os mais indicados para o controle da pandemia”. Os testes moleculares RT-PCR, que identificam o material genético do vírus e, por isso, tiveram sua aplicação em massa foi recomendada pela OMS, são uma estratégia mais efetiva do que os testes sorológicos, observam os pesquisadores. E mesmo tendo optado pelos testes sorológicos, o percentual aplicado na maioria dos Estados foi inferior ao recomendado pela OMS.

Com relação ao distanciamento social, o acompanhamento feito pelos pesquisadores da Rede mostra que entre maio e julho, 25 estados relaxaram as medidas de distanciamento físico. “Vários governadores flexibilizam suas políticas mesmo diante do crescimento da taxa de infecção e de mortes, sendo que a média de novas mortes diárias foi pelo menos 100% maior em junho do que em maio em 17 estados”, informa a nota técnica. E destes 17, apenas três estados aumentaram a rigidez das medidas no mês de julho: Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Paraná. “Nos outros 14 estados, alguns adotaram medidas alternadas de enrijecimento e flexibilização, como Goiás, Santa Catarina e o Distrito Federal em semanas alternadas ao longo deste período. Já Bahia, Piauí e Tocantins mantiveram relativa estabilidade na rigidez das medidas para o mês de julho; enquanto Acre, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rondônia, Rio Grande do Sul e Sergipe, reduziram a rigidez, mesmo apresentando uma média de mortes por 100.000 superior ao mês anterior”, acrescenta o trabalho.

Para completar a análise, os pesquisadores da Rede acompanharam a adesão da população às medidas de distanciamento físico com base nos dados agregados de mobilidade que rastreiam a geolocalização de aproximadamente 60 milhões de usuários de smartphones em todo o Brasil fornecidos pela Inloco.  O levantamento considera a porcentagem de telefones celulares que permanecem na mesma localização geográfica durante o dia (das 6h às 22h) de onde estiveram durante a noite (das 22h às 6h) desde março até 20 de julho, e está registrado na figura abaixo, e mostra como no começo da pandemia foi expressivo o percentual de celulares sem deslocamento e como essa taxa já caiu muito em julho.

Fonte: Inloco, 2020

Por fim, os pesquisadores cruzaram as médias do Índice de Rigidez de Políticas de Distanciamento Social (RPDS) e da mobilidade dos indivíduos durante o dia, com relação à média móvel de mortes por 100 mil habitantes nos 26 estados e no DF. E a conclusão é que os “apesar do crescimento da pandemia, ao invés de ampliarem as medidas, os governos estaduais, de forma geral, reduziram gradativamente as medidas ao longo do tempo, mesmo com a tendência nacional de crescimento acentuado nas mortes”. O resultado está na imagem abaixo:


Fonte dos dados: CGRT-BRFED (2020), Inloco (2020) e Cota (2020) baseado em boletins epidemiológicos publicados pelas Secretarias Estaduais de Saúde)

Entre outras conclusões, os pesquisadores apontam que, “embora os estados tenham adotado medidas para aumentar o distanciamento físico a partir de março de 2020, a flexibilização parcial ou total nos meses de abril, maio, junho e julho foi acompanhada por uma redução significativa e constante do isolamento social pela população”. E que a “ausência de estratégias robustas de testagem aliadas à flexibilização e redução do distanciamento físico ajudam a compreender o risco em que se encontram os estados brasileiros e os elevados números de óbitos”.

Diante destas constatações, o estudo recomenda aumentar a disponibilidade e realização de testes RT-PC;  adotar medidas que favoreçam o rastreamento, a identificação e o isolamento de contatos e de pessoas infectadas; dar transparência e divulgar para a sociedade dados sobre a evolução da pandemia em tempo real; ampliar a fiscalização das medidas de distanciamento físico e implementar a retomada das políticas de rigidez para aumentar o isolamento em estados com dados indicativos de risco elevado.

A equipe responsável pela Nota Técnica 18 teve coordenação de Tatiane  Moraes de Sousa (Fiocruz) e Lorena Barberia (DCP-USP e Cepesp), e contou com o trabalho dos pesquisadores Michelle Fernández (IPOL/UnB), Paulo Agabo (DCP-USP), Dara Aparecida Vilela (DCP-USP), Luiz Guilherme Roth Cantarelli (DCP-USP), Maria Letícia Claro (DCP-USP e CEPESP/ FGV), Anna Paula Ferrari Matos (DCP-USP), Natália de Paula Moreira (DCP-USP), Ingrid Castro (DCP-USP), Isabel Seelaender Costa Rosa (DCP-USP), Pedro H. de Santana Schmalz (DCP-USP e CEPESP/FGV), Marcela Mello Zamudio (DCP-USP e CEPESP/ FGV), Fabiana da Silva Pereira (DCP-USP), Vanessa Trichês Pezente (Fiocruz), Stelle de Souza (IPOL/UnB) e Thiago Moraes (UNESP).

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