Pesquisadores do Cepesp desenvolvem método para estimar probabilidade de vitória no segundo turno

CEPESP  |  19 de agosto de 2020
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O segundo turno é uma nova eleição? Essa pergunta, recorrente em períodos eleitorais e que ganhou ainda mais peso nas eleições presidenciais de 2018, levou os pesquisadores do Cepesp, Jairo Pimentel, Guilherme Russo e George Avelino a investigar o tema e desenvolver  um modelo que possa predizer, com base no primeiro turno, o que é mais provável de ocorrer no segundo turno. O modelo desenvolvido e o debate sobre o significado desta segunda etapa de uma eleição, mecanismo que existe em cerca de 50 países, foi a base do terceiro seminário online da série Cepesp nas Eleições, no dia 18 de agosto.

Método para estimar segundo turno: diferença no primeiro turno é variável importante

Os estrategistas de marketing político e os próprios candidatos, especialmente os que saem atrás na disputa, sempre tentam reforçar a tese de que o segundo turno é uma nova eleição, enquanto outros analistas defendem que não se trata de uma nova disputa ponderou Pimentel. “Se o segundo turno fosse uma eleição, na média, em 50% das disputas teríamos viradas e em outras 50% não haveria virada nenhuma”, observou o pesquisador, trazendo então dois exemplos. Em 2002, José Serra (PSDB) chegou na frente no primeiro turno das eleições para prefeito de São Paulo e depois foi derrotado por Fernando Haddad (PT) no segundo. Em 2018, Jair Bolsonaro (então PSL) venceu tanto o primeiro como o segundo turno. Mas as duas eleições foram muito diferentes pela diferença de votos que separou os dois candidatos na primeira etapa. Serra fez 31% dos votos válidos no primeiro turno e Haddad, 29%, enquanto Bolsonaro alcançou 46% ante 29% de Haddad. “Então, nos parece que a vantagem que você constrói em relação ao segundo candidato é uma variável importante para definir a possibilidade ter ou não uma virada”, explicou Pimentel.

Diante dessa observação, os pesquisadores então concentraram o trabalho em pesquisar que dinâmicas do primeiro turno são levadas para o segundo e podem dar uma predição melhor. “A questão se é ou não uma nova eleição está errada. Não se trata de dizer se é uma nova eleição ou não, mas em que condições ela pode ser ou não uma nova eleição. Ou seja, qual a probabilidade de termos uma virada? E é a probabilidade que a gente está querendo prever com o modelo”, resumiu Pimentel, acrescentando que “uma coisa é ir para o segundo turno com uma pequena vantagem, como no caso do Serra, e outra é ir com uma ampla vantagem, como caso do Bolsonaro, que quase ganhou no primeiro turno”.

O modelo desenvolvido pelos pesquisadores do Cepesp leva em conta três passos: identificar 1) quem chegou na frente; 2) qual o percentual de votos de quem chegou na frente; 3) qual a diferença do primeiro em relação ao segundo colocado.  Um primeiro levantamento feito a partir de 272 eleições no Brasil entre 1998 e 2016 mostrou que em 72% dos casos quem chegou em primeiro venceu as eleições. Esse percentual sobe para 88% quando o primeiro colocado venceu o primeiro turno com mais de 45% dos votos válidos e a 95% quando além deste percentual, a diferença em relação ao segundo colocado foi superior a 15 pontos percentuais. 

Guilherme Russo explicou como foi construído o modelo simples que prevê as probabilidades e observou que essa é uma pesquisa em andamento e, portanto, todas as sugestões para melhorar os resultados são muito bem vindas. “O modelo é bem simples. A gente quer saber se quem ganhou o primeiro turno, ganha o segundo”, ponderou Russo.  “São duas variáveis dependentes que a gente está olhando: o percentual no segundo turno e se ganhou ou não. Quem teve mais votos no primeiro turno, provavelmente vai melhor no segundo. Isso é verdade, mas não necessariamente. Quando a gente coloca em um modelo de regressão e controla pela diferença de votos que o candidato teve em relação ao segundo colocado, vemos que o que importa não é a porcentagem de votos que o vencedor do primeiro turno teve, mas a diferença em relação aos demais colocados”, observou.

Russo também explicou que, ao longo do desenvolvimento da metodologia, eles agregaram outras variáveis (como o fato do primeiro colocado ser incumbente ou não, se ele ocupa ou já ocupou um cargo executivo, o número de candidatos na disputa, entre outras), mas perceberam que o resultado praticamente não muda. Por isso, a opção foi por manter o modelo “mais parcimonioso”.

Com base nesse modelo, os pesquisadores mostraram as probabilidades para cenários com diferentes resultados no primeiro turno. Em eleições nas quais o primeiro colocado no primeiro turno teve um percentual baixo de votos, como 30%, e a diferença foi de apenas três pontos no primeiro turno, a probabilidade de vitória é próxima dos 50%, ou seja, é quase um sorteio. Já em eleições com uma diferença menor de oito pontos no primeiro turno, o candidato que está frente sempre tem uma probabilidade maior de vitória, ainda que seja especialmente grande quanto mais próximo da linha de 50% no primeiro turno. E eleições com uma diferença grande no primeiro turno, a probabilidade de uma virada é bem rara. No caso das eleições de 2018, o modelo indicava uma probabilidade de vitória do então-candidato Bolsonaro de 89% e de Haddad de 11%. Os gráficos abaixam mostram a probabilidade de vitória para diferentes cenários com base em eleições presidenciais de segundo turno em diferentes países e nas eleições a governador e prefeito no Brasil.

Entre as razões que explicam porque o modelo funciona, Russo listou que os eleitores são consistentes entre os turnos, que o número de eleitores entre o primeiro e o segundo turno são semelhantes (a abstenção cresce, mas nulos e brancos diminuem) e que normalmente o segundo colocado precisa da grande maioria dos votos dos candidatos que não foram para o segundo turno para virar o jogo . “E não é pouco voto”, comentou, calculado que em 2018, Haddad precisaria de cerca de 90% dos votos que sobraram para conseguir a virada. 

Russo também explicou que, por enquanto, o modelo não está olhando para quem são os candidatos, que propostas eles têm, mas que um trabalho em andamento para aprimorar a predição do modelo é colocar os candidatos em um espectro de direita-esquerda, para então identificar melhor para onde podem ir  os votos dos candidatos que ficaram em terceiro, quarto, quinto. “Na eleição presidencial a grande pergunta era: para onde iriam os votos de Ciro e Alckmin”, lembrou ele, acrescentando que o “o que realmente importa são os eleitores dos candidatos que perderam.”

Entre as perguntas do público que assistiu ao seminário online, uma foi sobre a incorporação ou não das pesquisas de intenção de voto no modelo. E Russo informou que sim, essa é uma outra variável que está em estudo, mas lembrou que em cidades menores há pouca pesquisa de intenção de voto. 

Lorena Barberia, mediadora do debate, lembrou que o Cepesp trabalha com evidências e salientou a importância do trabalho com dados para melhorar o entendimento das dinâmicas políticas. Barberia também perguntou para os pesquisadores que efeitos a pandemia pode ter sobre a presença dos eleitores nas próximas eleições. Pimentel contou que outra pesquisa que está fazendo (um survey ainda em andamento) indica que hoje as respostas mostram um aumento da tendência de alienação eleitoral, um movimento que tem crescido, mas pode ser reforçado com a pandemia. E se isso ocorrer justamente no segundo turno, pode reduzir as chances de virada no segundo turno, disse Pimentel.

O evento foi o terceiro na série Cepesp nas eleições e foi transmitido pelo canal da FGV no you tube (a integra pode ser assistida aqui). Os próximos encontros são sobre nov as funcionalidades da plataforma do Cepespdata (dia 25 de agosto, às 17, com inscrições neste link) e sobre habitação (dia 8 de setembro, às 17h, inscrições aqui). Os primeiros dois eventos foram sobre saúde e mobilidade urbana.

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