
As eleições municipais de 2020 serão pautadas regras eleitorais que, olhadas com atenção, podem gerar muitas pautas e ajudar jornalistas na cobertura do pleito deste ano – e dos próximos. Se o sentido geral das novas regras é de reduzir a fragmentação partidária, em 2020 o efeito pode ser oposto e gerar a eleição com maior número de candidatos de toda história. Entre assuntos que merecem atenção este ano está a possibilidade da combinação de novas regras e pandemia favorecer os incumbentes, as candidaturas laranjas e o papel das redes sociais. Esses foram alguns dos assuntos debatidos no painel “Eleição e dados”, parte do 2º Domingo com Dados do 15º Congresso Internacional da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que teve a participação de Lara Mesquita, cientista política e pesquisadora do Cepesp, Manoel Galdino, diretor-executivo da Transparência Brasil e Sérgio Spagnuolo, coordenador do Atlas da Notícia, com mediação da jornalista e diretora da Abraji, Kátia Brembatti.
Mesquita fez uma rápida descrição das novas regras, especialmente a que proíbe coligações para eleição proporcional, e o impacto que elas podem ter no pleito deste ano. A maior parte das regras foram definidas na Emenda Constitucional 97, aprovada em 2017. A partir deste ano, os partidos podem fazer coligação para cargos majoritários (prefeito, governador e presidente), mas devem concorrer sozinhos ao Legislativo (vereador, deputado e senador). Além disso, também está em vigor (e já valeu na eleição passada) a regra que estabelece que uma pessoa só pode ser eleita se atingir pelo menos 10% do quociente eleitoral (número de votos necessários para que um partido eleja um representante ao legislativo). Uma terceira regra é a do desempenho eleitoral. Para ter acesso aos recursos públicos para financiamento de campanha e tempo no rádio e na TV, os partidos precisam ter recebido, em 2018, 1,5% dos votos com no mínimo 1% em nove Estados (esse percentual será crescente até alcançar 3% em 2030). Em função do desempenho de 2018, apenas 23 partidos têm acesso a recursos e horário eleitoral gratuito agora em 2020. Esse conjunto de regras deve ter, a médio prazo, o efeito de reduzir a fragmentação partidária no país, explicou Lara.

Em 2020, contudo, diante da pandemia e também por ser um momento de transição, os efeitos podem ser mais difusos e favorecer candidatos incumbentes (que já possuem mandato). O medo da Covid-19 e também o impacto que ela pode ter provocado nos recursos pessoais pode fazer com que menos pessoas se disponham a concorrer. Por outro lado, os partidos vão querer lançar mais candidatos para ajudá-los em 2022, pois é a eleição para deputado federal que conta para a cláusula de desempenho. Mas outra regra eleitoral que pode favorecer os atuais prefeitos e vereadores é a proibição de participar de determinados tipos de ações públicas, que é flexibilizada quando há calamidade pública ou estado de emergência, o que aconteceu em várias cidades por conta da pandemia.
Galdino levantou alguns assuntos que podem ser pautas para os jornalistas: determinação de que 30% dos recursos públicos para campanha sejam destinados às candidaturas femininas e a obrigação de que elas sejam 30% do total (para vereador). E existe a possibilidade de que regra semelhante seja adotada para candidaturas negras (pretos e pardos). Por enquanto há uma regra neste sentido valendo em decorrência de uma decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, mas ainda não está claro como ela será aplicada na prática. “Pelos dados do TSE é possível acompanhar as prestações de gastos de campanha, que são parciais, e ver se como está se dando este gasto”, sugeriu. Ele informou que os partidos, inclusive, são obrigados a comunicar à Justiça eleitoral esse plano, e a comparação entre os planos de distribuição dos recursos dos diferentes partidos já é uma pauta.

Depois, a verificação dos gastos de campanha das candidaturas femininas é uma oportunidade para checar se algumas delas podem ser “laranjas”- lançadas apenas para cumprir cota e cujos gastos, no fundo, serão destinados para outros candidatos. “Para verificar se alguma candidatura pode ser “laranja”, pode-se verificar se a candidata possui perfil em rede social e se os gastos apresentados foram constantes ou apenas no final”, observou. Gastos concentrados no final são indício de que pode ter algo errado com a respectiva candidatura.
Terceiro participante do debate, Sergio Spagnuolo, coordenador do Atlas da Notícia, contou que 62% dos municípios brasileiros, onde vivem 18 milhões de pessoas, são um deserto de notícias: não possuem nenhum veículo jornalístico. Em outros municípios, existem apenas um ou dois veículos. “Somando os desertos e os semidesertos temos 65 milhões de pessoas, mais de 30% da população, que vivem em cidades onde a imprensa não trabalha como deveria para garantir qualidade de informação sobre a vida do cidadão”, ponderou, lembrando que são pessoas sem acesso à informações de como o gestor público lida com a saúde, o buraco na rua e as contas públicas.
Durante a fase de perguntas, Mesquita observou que não apenas as mulheres podem ser candidatas laranja, mas que a regra do teto de gastos na eleição pode fazer com que alguns candidatos sejam lançados apenas para aumentar o poder de despesas do prefeito ou do partido. Galdino considerou essa hipótese válida e concordou que qualquer candidato com zero ou muito pouco voto, mas que tenha gastado muitos recursos pode ser um sinal deste tipo de candidatura. O cruzamento de dados de gasto do candidato X seus votos é uma boa pauta jornalística para o pós-eleição, observou.
Outro assunto levantado na parte de debates foi o uso das redes sociais. Spagnuolo perguntou para Mesquita se a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, não foi um sinal de que as redes sociais podem ter muito mais peso que a propaganda de rádio e TV. Para Mesquita, um conjunto de fatores favoreceu Bolsonaro e não apenas sua atuação (e de seus seguidores) em diferentes redes. A facada no começo da eleição e o tempo de TV que ele ganhou com essa nos noticiários, e o fato de que sua recuperação o permitiu ficar fora de debates (onde sua plataforma eleitoral poderia ter sido exposta pelos adversários) também afetou o resultado, ponderou a pesquisadora do Cepesp. Em 2018, acrescentou, é preciso considerar que muitas famílias não têm bom acesso à internet, o que pode limitar o alcance das redes nas campanhas municipais.
Com relação a decisão que envolve candidaturas raciais, valendo em função da liminar concedida pelo ministro Lewandowski, Mesquita explicou (em um segundo painel envolvendo o mesmo assunto) que o partido deve distribuir o fundo eleitoral e o tempo de TV (recursos públicos) de forma proporcional à diversidade étnico-racial da sua lista de candidatas. Diferença da regra das candidaturas de gênero (que reserva 30% para as mulheres), essa decisão não envolve um percentual mínimo. E da forma como ela foi feita permite que um partido coloque todos os recursos em um único candidato negro, por exemplo. A ideia, explicou, era diminuir a desigualdade na alocação de recursos, dado que a quantidade de recursos impacta nas chances eleitorais, mas como o partido pode concentrar tudo em um ou poucos candidatos, ela pode não seré efetiva para combater a desigualdade. Para Lara, essa decisão cria uma insegurança jurídica. Na sua avaliação ela deveria ter sido definida no Parlamento, e não na Justiça
Novos projetos com dados político-eleitorais

Em um segundo painel do mesmo encontro foram apresentados e debatidos projetos que trabalham com dados político-eleitorais. Barbara Liborio apresentou o Elas no Congresso, iniciativa da Revista AzMina que monitora a ação legislativa a favor (e contra) direitos das mulheres no Congresso. O projeto, do qual Libório é coordenadora, criou um ranking da atuação legislativa dos deputados federais (que varia de 100 a menos 100) em relação aos direitos das mulheres. A partir de um robô que monitora a atuação quantitativa do legislativo, o Elas no Congresso faz uma avaliação qualitativa dessa atuação. De acordo com dados levantados pelo projeto, uma em cada quatro iniciativas legislativas apresentadas é desfavorável aos direitos das mulheres e 62% dos projetos são apresentados por mulheres. “Isso mostra a importância de termos mais mulheres no Parlamento”, ponderou Libório. Outro dado levantado pelo projeto indica que nos últimos dez anos apenas um projeto propondo descriminalização do aborto foi apresentado no Congresso.
Francisco Ricci e Daniel Ferreira, respectivamente repórter e editor do Pindograma, apresentaram esse novo projeto de jornalismo de dados que tem foco na política. Eles explicaram que todos os dados que serão gerados são no formato aberto. “O Pindograma nasceu há poucos dias e a proposta é contar histórias usando números e falando das pessoas por trás dos números”, explicou Ricci. Ferreira disse que dois bancos de dados já estão disponíveis. Um deles é um mapa dos locais de votação, montado a partir de dados do TSE, Ministério da Educação (que georreferenciou as escolas do país), IBGE e googlemaps. “Conseguimos geolocalizar 95% dos locais de votação”, explicou, acrescentando que esses dados estão abertos como uma planilha, mas sem estarem disponíveis em forma de mapa. A partir destes dados, eles escreveram uma reportagem sobre o voto nas favelas cariocas. A segunda base de dados do Pindograma é um agregador de pesquisa eleitoral de diferentes institutos (com dados desde 2012) e que tem a intenção de criar um ranking destes institutos.

Lara Mesquista contou que no Cepespdata existe uma funcionalidade que permite geolocalizar os votos por local a nível municipal para todas as capitais e cidades do Estado de São Paulo e eles já são apresentados como um dashboard, o que permite a visualização geográfica do voto. Brembatti sugeriu o uso do Raio-X nos municípios como uma base de dados que pode ser usada para ajudar na cobertura das eleições municipais por permitir a comparação de cidades semelhantes.