Apesar do dilema escancarado pela Covid, habitação não tem espaço prioritário na agenda política

CEPESP  |  10 de setembro de 2020
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Apesar do ainda imenso déficit habitacional do país _ apenas na cidade de São Paulo faltam 500 mil moradias _e do fato de a pandemia da Covid-19 ter escancarado o quanto as cidades brasileiras são desiguais, a problemática habitacional ainda não tem espaço na agenda política das próximas eleições a nível municipal. E essa ausência aparece mesmo quando se observa que os prefeitos receberam o crédito político pelo programa Minha Casa Minha Vida. Esse foi o cenário traçado pelos pesquisadores que participaram no último webinar da série Cepesp nas eleições, que reuniu Claudia Acosta, pesquisadora do Cepesp, e Natália Bueno, da Universidade de Emory e pesquisadora-associada do Cepesp, com mediação do urbanista Carlos Leite, professor na FAU-Mackenzie, Univove e Insper.

Webinar sobre habitação: Covid-19 reforçou desigualdades territorial das cidades

Acosta começou falando do Minha Casa Minha Vida e trouxe elementos de um detalhado estudo feito pelo Cepesp, que olhou para os efeitos territoriais do programa e mostrou que ele levou a um maior “espraiamento das cidades”. Especialmente as moradias para faixa 1 (menor renda) se localizaram nas áreas mais afastadas, o que levou os beneficiários para longe dos centros urbanos, dos empregos e dos serviços sociais. Além disso, a distância reforçou a infraestrutura precária, e deixou uma “dívida” na oferta de bens e serviços para as prefeituras. Para ela, esse é um paradoxo do Minha Casa: exitosa implementação com pobre localização.

Na avaliação de Acosta é cedo para saber se o “substituto” do Minha Casa, o Casa Verde Amarela, vai considerar esse ponto (da má localização dos imóveis) e tentar resolvê-lo. “Por enquanto só conhecemos uma medida provisória e ela não fala nada sobre localização dos imóveis”, disse.
Mesmo com os problemas de localização, os beneficiados pelo Minha Casa se mostraram satisfeitos com o benefício em mais de 80%, lembrou Natália Bueno.

Outro ponto abordado por Acosta foi quanto ao “crédito político” deste tipo de programa. “No caso do Brasil, disse ela, foi claro que os prefeitos tinham um benefício claro e imediato”. Ela explicou que, mesmo com a regulamentação progressiva do público alvo pelo nível federal, os prefeitos participavam com bastante autonomia da seleção dos beneficiários. No caso do programa mexicano (Esta es tu casa, que guarda similaridades com o Minha Casa), esse crédito político de seleção de beneficiários não era dos prefeitos. Aparentemente, os governadores detinham mais créditos.

Natalia Bueno apresentou dados de uma pesquisa feita com beneficiários e não beneficiários (famílias que participaram do sorteio, mas não foram contempladas) do Minha Casa no Rio de Janeiro. Ela mostrou que o programa, ao contrário do Bolsa Família e do Mais Médicos, não polariza politicamente, pois mesmo pessoas que não simpatizam com o PT avaliam positivamente o programa. “Em programas como o Bolsa Família e o Mais Médicos há uma variação enorme na avaliação de qualidade, quem acha ele bom ou ruim, entre quem gosta do PT e quem não gosta. São  programas polarizadores, que levam as pessoas que tem diferentes opiniões políticas para diferentes lados do espectro político”, explicou, acrescentando que no caso do Minha Casa Minha Vida isso não acontece. E o Minha Casa é muito bem avaliado, 86% aprovam o programa, e a posição ideológica não interfere, mesmo com o beneficiário identificando corretamente a responsabilidade dos ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff no programa.

Outro dado trazido por Bueno mostrou que os políticos, prefeitos especialmente, se preocupam com o programa e participam das inaugurações. “Em anos eleitorais se entregam mais moradias, e se entrega mais quando o prefeito pode participar da inauguração [em decorrência do calendário eleitoral]”, informou. Apesar destas evidências, que mostram a preocupação dos prefeitos em participar de inaugurações e entregar as casas, diferentes pesquisas com eleitores têm mostrado que habitação não figura entre as principais preocupações dos eleitores. E em um ano de pandemia e com forte perda de renda, não deve ser diferente, avaliou Bueno.

Acosta disse que na revisão das plataformas iniciais de cinco pré-candidatos à prefeitura de São Paulo  nenhum deles colocou habitação em destaque, apesar das evidências trazidas quanto à dificuldade que parcela da população enfrentou para manter as medidas de isolamento social e mesmo de higiene durante a crise sanitária em decorrência da precariedade de moradias. Para ela a agenda dessas eleições estará dominada por três temas urgentes: renda, saúde e educação. Bueno relatou dados preliminares de uma pesquisa com população que participa de projetos de moradia em área vulneráveis, no qual 22% das famílias disseram que não possuíam banheiro ou chuveiro dentro de casa.

Carlos Leite encerrou o debate observando que, embora os políticos não valorizem a habitação como uma agenda, é fundamental provocar o debate sobre políticas de habitação inclusiva, principalmente diante do imenso déficit habitacional do país. “Em um ano eleitoral, e a pandemia deveria iluminar e não fazer sombra a esse assunto, pois ela escancarou para a sociedade uma cidade com muitos sintomas graves: falta habitação, falta saneamento, falta infraestrutura”, disse ele.

O webinar pode ser assistido na íntegra, neste link do youtube da FGV.

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