Lorena Barberia: a dimensão do acordo EUA-Cuba

CEPESP  |  22 de dezembro de 2014
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Os acordos recentes pactuados entre Estados e Cuba são os mais audaciosos e esperançosos no sentido de uma normalização das relações políticas e diplomáticas entre os dois países.  Pela primeira vez desde 1963, Estado Unidos e Cuba reiniciaram as relações diplomáticas. Cuba será retirada da lista oficial do governo de Estados Unidos de países que apoiam o terrorismo e várias restrições econômicas contra Cuba serão retiradas. Essas mudanças eram esperadas há várias décadas e finalmente entram em vigor. Ao que tudo indica é um acordo ganha-ganha.

Não era provável que os Estados Unidos e Cuba continuariam com o mesmo nível de hostilidades na segunda década do século XXI que existia durante a Guerra Fria. Porém, as negociações foram secretas e não esperávamos que o acordo seria anunciado este ano.

Do ponto de vista humanitário, o avanço não é tão grande, considerando a troca de presos para firmar o acordo. Ao longo do conflito, houve várias negociações para trocar presos entre Cuba e EUA. Em este episódio, houve a troca de três presos cubanos detidos em EUA por dois presos que EUA queria libertar em Cuba – um cidadão americano (Alan Gross) e um cubano que trabalho como agente da CIA. Esta troca foi parte do acordo, mas já houve outros momentos em que os governos liberaram presos durante as últimas cinco décadas, inclusive presos políticos, como parte dos esforços de negociar uma melhoria nas relações bilaterais.

Historicamente, as administrações americanas e cubanas buscaram negociações visando aproximação em momentos de crises—assim aconteceu no caso da Crise dos Misseis, após a invasão da Bahia dos Porcos, nas grandes crises migratórias, e no caso do Elián Gonzalez.  Nessas negociações, os acordos não conseguiram avançar além da resolução dos problemas pontuais de cada crise – mas há cooperação bilateral.

Já existia cooperação especifica entre os dois países separados por apenas 90 milhas. A cada seis meses, os militares estadunidenses conversam com seus colegas cubanos em Guantánamo.  Há também cooperação entre os guardas-costas de ambos países e representações (Secção de Interesses) de ambos governos nas respectivas capitais de Havana e Washington.

As hostilidades entre os dois países por mais de cinco décadas não geraram benefícios aos norte-americanos nem aos cubanos. Vale lembrar que mais de 10% da população de Cuba migrou para Estados Unidos desde 1959. E, ainda mais importante, mais que metade dos cubanos que migraram a EUA, são pessoas que chegaram após o fim de Guerra Fria.

Por isso, existe uma grande parcela de cubanos que moram em EUA e viajam a Cuba, eles têm família em Cuba e enviam remessas e tem fortes relações com Cuba.  A parcela dos cubanos que moram nos EUA que apoiam políticas que normalizam as relações bilaterais – as mesmas políticas introduzidas pelo governo Obama- têm aumentado a cada ano.

É importante entender que ao adotar estas medidas, Obama e os democratas não estão agindo sozinhos. Houve congressistas republicanos que apoiaram as negociações e até acompanharam o Alan Gross, o cidadão americano detido em Cuba, em seu retorno aos EUA. Também há uma grande parcela da população dos EUA que favorece uma melhoria nas relações com Cuba.  Porém, há importantes medidas que poderiam ainda melhorar mais significativamente a relação bilateral, e estas medidas dependem da aprovação do Congresso americano. Obama não pode, por exemplo, tirar todas as restrições para permitir que cidadãos americanos possam viajar a Cuba livremente, inclusive para o turismo, pois isto somente pode ser mudado com a aprovação do Congresso.

Haverá grandes consequências econômicas com essas medidas, especialmente para Cuba. Este restabelecimento das relações bilaterais e a aproximação entre os dois países pode não ser a cura de todos os males e problemas que, principalmente, os cubanos sofrem com as hostilidades até hoje vigentes. Várias ações modernizantes da economia e sociedade cubana já vêm sendo implementadas com bons resultados. A aproximação e o aumento do intercâmbio comercial, tecnológico e financeiro entre os dois países certamente contribuirá para a aceleração deste processo.

Como o Brasil pode ser afetado por essa retomada do diálogo entre Cuba e Estados Unidos? Nem pouco nem muito. O Brasil sempre foi – quer pelo lado político, quer pelo lado do comércio, investimentos e intercambio tecnológico – um importante parceiro dos dois países. A harmonização das relações entre eles tende a alavancar as possibilidades de maior aproveitamento das relações do Brasil com ambos e talvez com outros países da região que também se beneficiaram dessa histórica reaproximação.

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