Marcos Fernandes: Dilma foi socialmente irresponsável

CEPESP  |  14 de outubro de 2015
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Durante anos o Brasil, antes do Real, conviveu com uma confortável situação, para os mais ricos: inflação elevadíssima, de dois dígitos por mês. Lembro-me quando decidi, ainda no colégio, estudar economia: manchetes nos jornais diziam que a inflação passava de 100% ao ano e queria entender o que era isso e como também desenvolver o País.

Passei a graduação, nos anos 80, convivendo com inflação elevada, e depois, no mestrado, com o fracasso do Plano Cruzado, do Bresser o do Verão, sem falar no Collor.

Lembro-me claramente de não sofrer tanto com a inflação no início dos anos 90, afinal tinha eu – e uma minoria – acesso a contas remuneradas. Como funcionava? Fácil: quem tinha conta em banco e era bancarizado (menos de 20% da população) podia deixar seu dinheiro na conta corrente, pois ele era corrigido pela inflação do dia anterior. Claro, a conta fechava, pois somente uma minoria se defendia do imposto inflacionário e o restante, que inclusive não possuía carro para fazer compras de mês e que dependia de compras em mercados de periferia mais caros, pagava o imposto inflacionário.

Lembro-me de um economista que admiro muito, mas que deu um fora monumental (sem fulanizar), falar que no Brasil a realidade estava errada! Isto pois a Curva de Laffer para a receita de senhoriagem não funcionava. A inflação elevava e o governo continuava a usar esta receita. Claro, aqui se tinha correção monetária, invenção genial para economias vulgares (não me lembro das palavras de Roberto Campos…ou foi Friedman!?). Explico: numa economia normal, sem a indexação – e sem as contas remuneradas – os agentes fugiriam da moeda com inflação crescente; contudo, com correção diária do dinheiro em conta corrente as pessoas (poucas) podiam deixar o arame, metal vil, grana, no banco com inflação acelerando e o governo podia, claro, emitir (há detalhes técnicos chatos como a endogeneidade da base monetária, mas enfim, o problema fiscal era a raiz de tudo).

Veio o Plano Real, com sua arquitetura linda, fruto dos experimentos fracassados dos anos 80, do trabalho de economistas brasileiros, Simonsen incluído (que falta faz, professor!): conseguimos estabilizar a economia e observamos um experimento natural muito bacana: o efeito iogurte e frango, qual seja, famílias mais pobres podendo comer estas proteínas. É, os mais jovens nem sabem disso, mas é importante educá-los e informá-los.

Quando Lula assume, a política econômica racional e justa do ponto de vista social é implementada (bom observar, não foi a do PT, insana e metida no realismo mágico econômico). O Brasil avança na implementação da Constituição Cidadã de 1988. Verdade seja dita, os gastos sociais já começam a aumentar nos governos FHC, pois com os ajustes do Estado, fiscais e monetários, financeiros (privatizações, desmonte de esqueletos fiscais e bancários, estatais e privados) tem-se condições para fazê-los.

Mas, voltando, foi com Lula que se intensificaram reformas microeconômicas advindas da ‘Agenda Perdida’ de Ciro Gomes – não da agenda aloprada dos economistas, sociólogos e ‘intelectuais’ petistas – e que geraram parte de nosso ganho de produtividade. Mas o Plano Real não fora completado, apesar dos avanços com a Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo.

Em 2005, Palocci propõe – pode-se dizer tudo dele, mas racional e republicano o foi – uma agenda que chamo de Plano Real 2 – que colocava, dentre outras coisas, uma meta fiscal anual, ajustada em termos intertemporais. Dilma Rousseff, que estava na Casa Civil, agora todos se lembram, abortou tal plano, ‘rudimentar’, em seus termos.

Hoje colhemos os frutos de suas decisões rudimentares. Mas o que mais assusta é perceber que há economistas, sociólogos e ‘intelectuais’ ligados ao PT que ainda pensam da mesma forma que antes do Real, o primeiro.

Há uma dimensão moral da política fiscal: não passar ônus para as gerações futuras, mormente ônus que são pagos de forma injusta e desigual, pela selvageria da inflação, imposto regressivo.

Aqueles que propõem a manutenção da Nova Matriz Macroeconômica que nos colocou neste caos econômico e político ignoram os custos sociais de um endividamento explosivo, numa economia em que ainda – e isto é um erro – existem mecanismos de indexação e, portanto, a diminuição do valor real da dívida somente se daria pela segunda, terceira, quarta derivadas! Falando português: com hiperinflação ou pelo menos superinflação.

Mas como aqui a indústria bancária é bem criativa e provavelmente me protegeria, e a você leitor e a intelligentsia ‘progressista’, do imposto inflacionário, ele seria pago, mais uma vez, pelos mais pobres.

Uma mistura de autoengano, arrogância e ignorância e o desejo de perpetuação de um projeto de poder está no ar. Precisamos, nesta luta democrática de ideias, derrotá-lo, ao custo de perdemos mais de 20 anos de construção institucional. Choca-me alguns economistas mancebos e nefelibatas, guiados por alguns responsáveis de fracassos passados, por exemplo, compararem a dívida pública brasileira com a de países desenvolvidos. Causa-me espanto a má formação em história econômica e microeconomia!? Não, ingenuidade minha, trata-se meramente de ideologia econômica e tortura dos fatos, construção retórica e maniqueísta a divisão entre ‘nós’ que somos ‘do bem’ e ‘eles’, que são contra o desenvolvimento do País. Por vezes me pergunto se não se trata tudo, pois desconsiderar a responsabilidade moral de economistas é erro radical, de um mero projeto de poder.

(Marcos Fernandes Gonçalves da Silva é

economista da FGV, pesquisador do Cepesp/FGV, coordenador doNúcleo de Analytics do Instituto de Finanças da FGV e pesquisador na FGV do desenvolvimento do supercomputador Watson/IBM)

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