A hiper fragmentação partidária que vigorou nas eleições brasileiras de 2014 fugiu de qualquer padrão da história do planeta e, dado que de lá para cá, o sistema eleitoral iniciado vinte anos antes implodiu, uma mudança profunda das regras precisa sair do papel. A avaliação é do cientista político Jairo Nicolau, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que apresentou suas propostas de reforma política em seminário realizado em 01/06 pelo Cepesp na Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-SP).
Considerado pelo pesquisador do Cepesp e cientista político da FGV-SP, Cláudio Couto, como um dos “principais estudiosos dos sistemas eleitorais e partidários, com larga e respeitada produção acadêmica” (revista Quatro Cinco Um, edição de maio de 2017), Nicolau lançou seu novo livro “Representantes de quem? Os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados” (Editora Zahar).
“O sistema político eleitoral que vigorou no Brasil a partir de 1994 está acabando e o que nascerá a partir de 2018 precisa ser discutido com muita profundidade. Não acho saudável que a atual legislatura do Congresso Nacional decida em apenas quatro meses toda uma nova regra eleitoral e uma reforma política para valer já no ano que vem”, disse Nicolau, em referência ao prazo de outubro, limite para que mudanças legais passem a valer para o pleito de 2018. Ao mesmo tempo, ele reconhece que sem qualquer alteração, a fragmentação partidária tende a aumentar em 2018 diante do enfraquecimento, perante à opinião pública, ainda mais forte dos três maiores partidos brasileiros – PT, PSDB e PMDB.
O cientista político criticou o elevado número de partidos políticos do país (35 legalizados, dos quais 28 com representantes eleitos em 2014), chamando de “hiper fragmentado” o modelo atual. Segundo ele, a reforma política necessária inclui o fim das coligações partidárias, o estabelecimento de uma cláusula de barreira de 1,5% dos votos e regras de acesso ao tempo de propaganda política e ao Fundo Partidário. O nível de 1,5% para a barreira partidária é pequeno, admite ele, especialmente quando comparado aos 2% para 2018 e 3% para 2022 estipulados na Proposta de Emenda à Constituição (PEC 36/2016), do senador Ricardo Ferraço, do PSDB do Espírito Santo, mas ainda assim suficiente para reduzir em cerca de 20 o número de partidos com acesso à cadeiras no Congresso Nacional.
“Associado ao fim das coligações, a barreira de 1,5% alteraria muito o quadro eleitoral brasileiro, forçando uma reorganização dos partidos médios e grandes”, disse Nicolau.
Financiamento de campanha e caixa 2
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu o financiamento privado das campanhas eleitorais dos partidos políticos, em 2015, encerrou o modelo que vigorou entre 1994 e 2014, justamente o período em que PT e PSDB polarizaram as eleições presidenciais. Depois de duas vitórias em primeiro turno do PSDB, com Fernando Henrique Cardoso, em 1994 e 1998, o PT venceu as últimas quatro eleições presidenciais (com Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002 e 2006, e com Dilma Rousseff, em 2010 e 2014), sempre tendo o PSDB na disputa do segundo turno.
Coincidentemente, desde a decisão tomada pelo STF também as revelações dos próprios empresários em delações premiadas fechadas no âmbito da operação Lava Jato revelaram gigantescos esquemas de financiamento ilegal de campanhas, por meio do pagamento de despesas por caixa 2. Os dois grupos privados que mais financiaram campanhas, Odebrecht e J&F (controladora da JBS Friboi), protagonizaram as duas últimas rodadas de escândalo nacional.
“Entendo ser necessário aumentar o fundo partidário em ano eleitoral, reduzindo nos anos ímpares, com especificação de despesas por cargo, para melhorar a fiscalização por parte dos órgãos de controle, como os tribunais eleitorais”, defende Nicolau, para quem também é preciso estabelecer limites de gastos por pessoas físicas e o autofinanciamento por parte dos candidatos, com valores sugeridos de R$ 100 mil e R$ 200 mil. “Também é possível estabelecer um modelo de prestação de contas online e regras para deduzir doações de pessoas físicas no Imposto de Renda”, disse ele.
O centro do debate, segundo ele, precisa ser com os dois pés no chão. “É irreal, ficcional mesmo esperar que uma reforma política, qualquer que seja ela, vá imediatamente reaproximar os partidos e os políticos dos seus representados. Mas é preciso começar de algum jeito”, disse Nicolau.
***
Texto de João Villaverde, pesquisador do CEPESP e responsável pelo blog