Um dos aspectos mais atraentes da teoria dos jogos é que, mesmo supondo que os atores envolvidos são racionais e escolhem suas melhores estratégias, os resultados mútuos podem ser desastrosos. Trata-se da velha contradição entre a racionalidade individual e a irracionalidade coletiva.
Um exemplo clássico é a corrida armamentista que envolveu os Estados Unidos e a antiga União Soviética após a Segunda Guerra Mundial. Muitas pessoas se perguntavam por que se continuava a corrida, mesmo após as armas necessárias serem suficientes para destruir o mundo algumas vezes. Aparentemente, o que se assistia era um grande desperdício de recursos que poderiam melhorar o bem-estar coletivo se investidos em outras áreas. Além disso, a existência de tantas armas aumentava o risco do conflito e, com ele, a destruição mútua. Enfim, todos não ficariam melhores se houvesse um acordo que limitasse a corrida pelas armas?
A resposta, de acordo com o Prêmio Nobel de Economia Thomas Schelling, estava no entendimento do tipo de conflito que envolvia aqueles dois países, o que ele chamou de a “estratégia do conflito”. Segundo Schelling, o conflito da corrida armamentista era um jogo em que não havia possibilidade de cooperação – e, portanto, de acordo pela limitação dos gastos. Cada país precisava investir exatamente o mesmo que seu adversário para manter as forças balanceadas. O abandono unilateral da corrida, demandada pelos grupos pacifistas no Ocidente, era inviável pois o país que assim o fizesse ficaria a mercê do adversário. A estratégia mais racional era continuar a corrida pelas armas. O que foi denominado de “Guerra Fria”, visto que o investimento em armas nunca era utilizado de fato, teve seu ponto de inflexão na famosa crise dos mísseis quando o mundo esteve à beira do fim. Hoje em dia o potencial nuclear é consideravelmente inferior ao potencial dos anos 1960.
Este preâmbulo ajuda a entender os números da tabela abaixo. Nela são descritos os valores médios gastos por voto – em reais de dezembro de 2016 – realizados pelos eleitos nas eleições estaduais e presidenciais entre 2002, ano em que os gastos de campanha começaram a ser publicados pelo TSE, e 2014. Em outros termos, a tabela mede a evolução do gasto por voto pelos eleitos a cada um dos cargos. Mesmo levando-se em consideração que os gastos declarados, o “caixa 1” das campanhas, sejam subestimados, a evolução do gasto por voto é impressionante.
Em primeiro lugar, a evolução dos gastos por voto é enorme para todos os cargos em disputa; mas o aumento não pode ser relacionado especificamente a uma eleição. Isso quer dizer que, em média, os eleitos tiveram que aumentar muito seus gastos de campanha entre uma eleição e outra para garantirem-se no cargo. Neste cenário, merece destaque o custo do voto para presidente com aumento de 662%; quase sete vezes seu valor em 2002 em termos reais!
Outro fator a destacar é que o aumento foi maior nas campanhas para os cargos majoritários. A exceção seriam as eleições para governador, cujos gastos aumentaram “apenas” 47% ao longo do período; mas as eleições dos chefes dos executivos estaduais partiram de um custo maior por voto e permaneceram como as mais caras durante todo o tempo. Além disso, observa-se que os gastos de campanha aumentaram mais para os cargos federais do que para os estaduais.
Retomando Schelling, o esvaziamento da cooperação entre os atores políticos, cooperação sobre a qual se apoia a negociação dos conflitos em sociedades democráticas, levou os candidatos a uma corrida irracional por mais recursos de campanha. Como a efetividade dos gastos de campanha depende do investimento relativo de seus adversários, se um partido aumenta seus gastos não há outra alternativa para o partido competidor que não seja aumentar também o investimento em gastos de campanha. Este processo se revelou insustentável e, diferentemente da corrida armamentista que terminou com a derrocada da União Soviética, o resultado da corrida eleitoral brasileira foi a destruição dos envolvidos refletida na generalização dos escândalos políticos que assolam o país.
Que lições se poderia tirar destes números? Mais urgentemente, o fim do financiamento empresarial de campanhas determinado pelo STF deixou vácuo imenso a ser preenchido já para as eleições de 2018. A ausência de regulamentação sobre o financiamento das campanhas pode tornar as próximas eleições em um vale-tudo pela busca de recursos e frustrar as expectativas por maior representatividade do sistema.
Menos urgente, mas igualmente importante, se o objetivo da reforma política for reduzir os custos das campanhas eleitorais, o sistema proporcional de lista aberta, ao permanecer intocado, não poderia ser responsabilizado pela escalada dos gastos. Portanto, a mudança do sistema eleitoral não deveria ser o foco da reforma; pelo menos, não antes que se compreenda melhor as razões que levaram àquela escalada. Afinal, reformar o que não se conhece nunca foi receita para o sucesso.
(Texto de George Avelino, Ciro Biderman e Arthur Fisch. Todos são pesquisadores do Cepesp.)