Correndo contra o relógio, o Congresso Nacional discute uma reforma política que entre em vigor já para as eleições de 2018. Entre as ideias estão o chamado Distritão, a criação de um fundo bilionário com recursos públicos para financiar as campanhas, o fim das coligações de partidos e uma cláusula de barreira. Mas é no âmbito dessa discussão que três manifestações recentes, de cada um dos três Poderes, vieram a público e deixaram pesquisadores do CEPESP incomodados. Primeiro, o presidente Michel Temer (chefe do Executivo federal) declarou ser favorável à um regime “semi-presidencialista”. No mesmo dia, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), topo da hierarquia do Judiciário, declarou a mesma coisa. Por fim, o senador José Serra (PSDB-SP), do Legislativo, voltou a defender a mudança do atual regime presidencialista para o parlamentarismo.
“Não há país no mundo que tenha saído do nosso regime, que é presidencialista, para uma espécie de semi-presidencialismo. Vamos inaugurar algo que não sabemos o que é. Acho essas propostas inaceitáveis. É desolador. Em certa medida, até, é insultante porque no caso do parlamentarismo já tivemos plebiscitos em 1963 e em 1993 e os resultados foram de vitórias esmagadoras do presidencialismo, mesmo depois de longa e intensa campanha pelo parlamentarismo. Não dá para ficar fazendo plebiscito toda hora, até ganhar“, disse o cientista político Luiz Felipe de Alencastro, pesquisador do CEPESP, professor da FGV-SP e professor emérito da Universidade de Paris Sorbonne.
O regime semi-presidencialista é praticado na França, onde o povo elege o presidente da República, mas ele divide o poder com o primeiro-ministro, eleito pelo Legislativo. “Teríamos então um presidente eleito após passar por dois turnos eleitorais e, imediatamente depois disso, ele teria que buscar o Congresso para formar o ministério com o primeiro-ministro. Ou seja, governadores com Executivo sólido de Estados como São Paulo, Rio e Minas teriam mais força que o presidente da República. Então teríamos que fazer também ‘semi-governadores’, com primeiro-ministros estaduais. Mas aí seriam os prefeitos que teriam força. Unidos, os prefeitos de São Paulo, Campinas e Santos, por exemplo, teriam mais força que o “semi-governador” de São Paulo. Teríamos, por fim, que criar o ‘semi-prefeito’. Já deu para ver que isso não tem como dar certo“, disse Alencastro.
Atualização de 28/11/2017: o jornal Folha de S. Paulo informa que a proposta de instaurar o regime semipresidencialista no país está pronta e já circula em Brasília
A verdade é que não há um sistema político e eleitoral predominante no mundo. Essa é a avaliação do cientista político George Avelino, pesquisador do CEPESP, também presente no debate sobre reforma política realizado na Escola de Economia de São Paulo (EESP) da FGV na tarde do dia 23/08 em parceria com o Centro de Estudos do Atlântico Sul.
“Não adianta pensar que vamos importar o sistema francês e imediatamente nos transformaremos na França. Ou que vamos imitar o modelo da Alemanha e, na hora, vamos virar a Alemanha. Não é simples assim. Temos que entender como são eleitos os nossos políticos e, feito o diagnóstico, buscar melhorias“, disse Avelino.

Apresentando dados do CEPESP Data e pesquisas feitas no âmbito do centro, Avelino apontou que o plano de introduzir o “Distritão” não deveria encontrar eco entre os parlamentares, uma vez que eles não tem votação concentrada em distritos. Ao contrário. De modo geral, parlamentares são eleitos com votos difusos, “espalhados” em seus Estados. O “Distritão” prevê a divisão dos Estados em distritos eleitorais. Isso exigiria um novo tipo de competição eleitoral, mais concentrada.
“O Distritão é cortina de fumaça. Ele tem pouquíssimo valor adicionado. O que vale mesmo para o parlamentar hoje em Brasília é o dinheiro para a campanha. Depois que o financiamento privado foi proibido, o deputado e o senador precisa encontrar uma forma de pagar a campanha em 2018. O fundo público, portanto, é o que importa. A mudança do sistema eleitoral – para Distritão ou para o ‘distrital misto’ – é só a justificativa para sustentar o novo fundo“, pondera Avelino. Para ele, uma das soluções que o Distritão apresenta, por outro lado, é que, ao concentrar o voto e exigir uma nova competição, o modelo também tende a demandar menos recursos financeiros, uma vez que o candidato precisará percorrer “menos terreno”.
A ideia original do fundo público para financiar campanhas estava no relatório parcial do deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política no Congresso. Ele estabelecia fundo com 0,5% da receita corrente líquida para bancar as campanhas políticas – em 2018, esse percentual seria equivalente a R$ 3,6 bilhões. Isso, no entanto, foi derrubado. Mas o plano de ter dinheiro público financiando campanhas continua vivo.
De acordo com Avelino, a vantagem do parlamentar numa campanha por reeleição contra um candidato sem o cargo é muito grande. Quando comparado o desempenho numa disputa com um candidato competitivo (isto é, contra o mais votado numa eleição, mas não eleito – o primeiro a ficar de fora, portanto), o parlamentar tem cerca de 30% mais votos e 20% mais chances de se reeleger. “É uma vantagem considerável, especialmente no atual momento político“, disse Avelino.
A reforma ideal
Alencastro e Avelino ponderaram quais pontos deveriam fazer parte da reforma política. Para o primeiro, é crucial resolver a Lei do Impeachment, que impõe ao Executivo um modelo de parlamentarismo disfarçado, além de reduzir o número de partidos políticos. Atualmente há 35 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos quais 28 com representação no Congresso Nacional. “De fato, não há 35 linhas ideológicas diferentes. Precisamos de menos, mas ainda assim precisamos de partidos fortes, que são a única forma de agregação de interesses“, concordou Avelino.
Para ele, o fim da coligação dos partidos em campanhas e a introdução de uma cláusula de desempenho, ou de barreira, da ordem de 1,5%, já reduziria muito o número de partidos. “Quem sabe até alguma legislação que reforce a atividade partidária. Isso seria muito importante porque vai de encontro com o que a nossa Constituição mesmo prevê, quando estipula que o mandato pertence ao partido“, afirmou ele.
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-> Texto de João Villaverde, pesquisador do CEPESP, na FGV em São Paulo <-
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