Eleição em Dados: Novas regras, mesmas gravatas

CEPESP  |  6 de setembro de 2018
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A obrigação de destinar mais dinheiro para as campanhas de mulheres aumentará o número de eleitas em 2018? Essa pergunta reside no contexto em que os dirigentes partidários têm controle quase total da distribuição de recursos de campanha, e as alterações nas regras eleitorais de financiamento de candidatas foram implementadas em 2018 por meio de decisões de tribunais, não legislativas.

É uma das preocupações centrais da pesquisa “Democracia e Representação nas Eleições 2018”, realizada pela FGV Direito SP, em parceria com o Cepesp.

Provocado pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o artigo 9º, da Lei 13.165/2015, que determinava que os partidos deveriam reservar no mínimo 5% e no máximo 15% dos recursos provenientes do Fundo Partidário ao financiamento das campanhas eleitorais, para aplicação nas campanhas de suas candidatas.

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Créditos: Valor Econômico

Para o STF, o piso mais adequado seria de 30%, seguindo o percentual mínimo de 30% de candidaturas de cada sexo, nas listas dos partidos ou coligações para os cargos de representação proporcional, previsto no artigo 10, §3º, da Lei 9.504/1997. E esse percentual deve aumentar proporcionalmente, na medida em que aumenta o número de candidatas.

Acolhendo o pedido da Procuradoria, o STF determinou, ainda, que o percentual de recursos engloba não apenas as candidaturas a cargos proporcionais – como previsto na lei de cotas eleitorais de gênero – mas também para os cargos majoritários.

Logo após o julgamento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi consultado sobre a extensão dos efeitos dessa decisão para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e para o tempo de rádio e televisão.

Seguindo a lógica da decisão do STF, o TSE determinou que a distribuição dos recursos do FEFC e do tempo de rádio e TV deve observar o percentual mínimo de candidaturas por gênero (30%) e aumentar na mesma proporção do número de candidatas.

O TSE definiu, também, que essa regra se aplica indistintamente às eleições de representação proporcional (deputados) e às majoritárias (presidente, governador e senador).

Embora à primeira vista essas decisões possam parecer positivas para as campanhas de mulheres, STF e TSE não estabeleceram parâmetros para a distribuição dos recursos entre candidaturas proporcionais ou majoritárias, deixando os partidos com liberdade para definir a estratégia de aplicação dos valores.

Esse quadro cria uma série de desafios. Os partidos podem destinar todos os recursos ou uma grande quantidade deles para as candidaturas aos cargos majoritários que tradicionalmente já são privilegiados na distribuição de recursos, independente do sexo dos candidatos: presidente, governador ou senador, incluindo vices e suplentes.

O aumento do número de candidatas a vices pode ser parte da estratégia de alguns partidos para o cômputo dos recursos que devem ser destinados às campanhas de mulheres, mesmo quando a cabeça de chapa for um homem. Vale lembrar que, desde 2014, as mulheres respondem por 30% das candidaturas a deputado federal e estadual apresentadas pelos partidos, primeira vez que se cumpriu a lei de cotas.

Outro desafio é que a não priorização na destinação dos recursos às candidatas proporcionais poderá resultar em um número menor de candidaturas femininas competitivas. Conforme já apontado por diversos trabalhos, há uma correlação positiva entre gasto de campanha e votos.

Isso poderá gerar um efeito contrário ao pretendido pela lei de cotas: ao invés de aumentar a quantidade de deputadas eleitas, percentual que ainda não corresponde a 10% das cadeiras da Câmara dos Deputados, esse número poderá diminuir, a depender do modo como o partido prioriza a distribuição dos recursos do Fundo Partidário, do Fundo Especial e do tempo de rádio e TV.

Ao cabo desse ciclo eleitoral, as novas regras poderão gerar os mesmos resultados de sempre e significar a manutenção do cenário de baixa representatividade de mulheres em nossas casas legislativas, assim como das mesmas velhas gravatas no controle da política brasileira.

Texto originalmente publicado no site Valor Econômico.

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Catarina Barbieri e Luciana Ramos são coordenadoras da pesquisa “Democracia e Representação nas Eleições 2018” na FGV Direito SP

Lara Mesquita é cientista política e pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público – Cepesp-FGV

Este artigo, de responsabilidade do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas (Cepesp/FGV) faz parte da parceria “Eleição em Dados”, e é publicado terça-feira em versão digital e na quarta-feira em versão impressa do Valor

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