” A dimensão das ruas é um legitimador do processo político, ela dá a narrativa”, afirmou Octavio Amorim Neto (EBAPE/FGV-RJ), emventrevista por telefone a César Felício, do “Valor Econômico”.
Amorim compara o processo atual com o que afetou Fernando Collor em 1992. “O caso atual é muito mais problemático. Desta vez, temos no poder há treze anos um governo de esquerda, que sempre disputou o protagonismo nas ruas. Temer não será tratado como foi Itamar Franco. Ele enfrentará uma oposição duríssima, que poderá carimbá-lo como o direitista golpista que derrubou um governo de esquerda para fazer um ajuste severo”, afirmou.
A diferença fundamental é o lastro partidário que existe em torno da presidente, pela sua origem petista. No caso de Fernando Collor, o então presidente foi eleito sem ter estrutura partidária. Era o mesmo caso de Itamar, seu vice.
Segundo Amorim, as mobilizações populares há 23 anos foram determinantes para o afastamento do então presidente. Elas ganharam peso em agosto de 1992, quando o pedido de impeachment ainda não havia sido formalizado e Collor se tornara o alvo central de uma CPI que investigava o tráfico de influência de seu tesoureiro de campanha na máquina administrativa. “Sem grandes manifestações, a legitimidade do que ocorreria seria questionável”.
Sem mobilização popular, de acordo com Amorim, o processo de impeachment poderá levar a uma reunificação da esquerda. “Este grupo da esquerda que sairia do poder agora venceu quatro eleições presidenciais seguidas. Não há como comparar o caso brasileiro com o do Paraguai em 2012, porque ali Fernando Lugo era uma experiência inicial da esquerda”, disse. O cientista político desta maneira se referiu ao último processo de impeachment que aconteceu na América Latina, há três anos, que resultou no afastamento do presidente paraguaio. Na ocasião, não houve manifestações contra ou a favor do então presidente.
Caso o processo brasileiro de impeachment se prolongue, Amorim acredita que a mobilização popular poderá desequilibrar o jogo definitivamente contra a presidente Dilma Rousseff. “Um processo como esse tem três dimensões: a política, a jurídica e a popular. A esquerda sempre reinvidicou a exclusividade das ruas e teve este monopólio até 2013. Este é um governo que se crê de origem popular. Se não existir mais fundamento para esta crença, teremos um elemento definitivo. Ele é crucial”, afirmou.
Para Amorim, ainda é prematuro dizer que esta mobilização não poderá ser formada ao longo das próximas semanas. “Esta é a primeira salva de artilharia. É óbvio que a deterioração econômica contará pontos de maneira fundamental para este processo”, disse.