Despindo os partidos: recursos, lideranças e candidaturas

CEPESP  |  19 de outubro de 2017
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Não entendemos bem os partidos. Não temos clareza em como eles se financiam, tampouco sabemos exatamente como as lideranças partidárias são escolhidas, como os candidatos são selecionados e como seus recursos são gastos e distribuídos. Tudo isso colabora para a crise de representação que vivemos hoje. Isso vale para os partidos da centro esquerda (PT, PDT, PC do B e demais), da centro direita (PSDB, DEM, PPS e demais) e para aqueles que orbitam o poder, independentemente do espectro (como PMDB, PP, PTB, PR, PSD e outros).

Desconfiamos dos partidos e os consideramos eles cada vez mais afastados da sociedade. Hoje em dia, os partidos políticos são vistos por muitos como agremiações fechadas controlados por pequenas elites, preocupadas apenas com seus próprios interesses. Isto quando não os enxergamos apenas como organizações criminosas.

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Ex-presidentes: Collor foi do nanico PRN, mas hoje é do PMDB; Sarney foi presidente do PDS, da ditadura militar, mas migrou para o PMDB; Lula fundou o PT, radicalmente contrário à direita, mas se aliou a PMDB, PR e PTB; Dilma ajudou a fundar o PDT, mas migrou para o PT, governou ao lado do PMDB e impulsionou a criação do PSD e do PROS; FHC rachou com o PMDB e fundou o PSDB, depois se associando ao PFL/DEM e, hoje, novamente com o PMDB.

É preciso mudar este cenário. É necessário pensar em propostas que ajudem a aproximar as organizações partidárias do cotidiano da população, que permitam que o cidadão se sinta de fato representado. Vamos analisar neste artigo três medidas que surgem como possíveis soluções para este problema: 1) abertura e auditoria das contas dos partidos; 2) racionalização e democratização dos processos decisórios internos e de seleção de lideranças e 3) implementação de prévias para seleção de candidatos.

Endurecer as exigências de prestação de contas dos partidos e aumentar o controle da sociedade sobre os recursos destinados a financiar a atividade política podem ser medidas interessantes. Pouco se sabe do destino que os partidos dão a todo o dinheiro público que recebem. Apesar da lei obrigar a prestação de contas dos partidos e das campanhas, dificilmente a documentação passa por algum tipo de auditoria minuciosa. Os casos de irregularidades dificilmente são descobertos, incentivando o mau uso dos recursos. Aumentar a transparência no uso do dinheiro público é um princípio que deve reger todos os órgãos que os recebem. Só através de uma boa prestação de contas podemos avaliar se o dinheiro está sendo bem gasto. Com partidos políticos não deve ser diferente. Com maior transparência, o eleitor terá mais informação para diferenciar as siglas entre si durante o processo eleitoral. Ele terá a opção de votar em um partido que gasta mais com, por exemplo, prestação de serviços comunitários, com a formação de quadros para administração pública ou com propaganda. Isso pode fazer com que siglas sejam mais influentes na hora do voto do que os próprios candidatos, diminuindo o personalismo da eleição. Tornar as contas mais abertas e confiáveis aumentará a legitimidade de atuação dos partidos, diminuindo a desconfiança da população.

Para além da parte financeira, é importante que haja regras para a racionalização e democratização dos processos e estruturas decisórias do partido. É importante que a sociedade, e principalmente os filiados e militantes, saibam como as decisões importantes estão sendo tomadas no interior de suas siglas. Estes processos precisam respeitar as instancias de decisão regimentalmente instituídas e evitar ao máximo as arbitrariedades. Além disso, para combater o fechamento dos partidos em pequenas elites, o processo de escolha das lideranças, ou seja, dos grupos que tomam as decisões importantes, precisa ser democratizado, mais transparente e representativo dos filiados e militantes. É preciso que haja vida partidária.

Decisões que são tomadas sem que haja respeito a um processo bem definido ou à diversidade interna do partido tendem a favorecer determinados grupos, geralmente com mais poder e mais capacidade de organização. Isso gera a oligopolização dos partidos e causa este distanciamento maior entre a sociedade e a política institucionalizada. Uma solução interessante é obrigar o partido a criar estruturas que favoreçam um processo de decisão mais democrático, como o estabelecimento de diretórios. O enraizamento dos partidos na sociedade, aliados à processos de tomada de decisão que permitam a participação de seus filiados, podem colaborar com uma diminuição de casuísmos e personalismos.

A panaceia das prévias

Por fim, é comum vermos a defesa de prévias partidárias como panaceia quando se defende a democratização dos partidos. Apesar de a princípio parecer uma boa solução, elas podem gerar distorções indesejáveis. Há a possibilidade de um processo de prévias ser cooptado por lideranças locais, que tem mais proximidade e acesso aos militantes, de modo que a decisão sobre candidaturas apenas mudaria de mãos (das lideranças partidárias para líderes locais) e não se democratizaria efetivamente.

Isso quer dizer que um processo de escolha via prévias pode sofrer das mesmas distorções que um sistema eleitoral sofre como a influência desproporcional do poder econômico e medidas de cooptação e coerção. Caberá à Justiça Eleitoral organizar e fiscalizar as prévias de todos os cargos, em todos os partidos?

Além disso, este processo não permite que o partido premie seus membros com mais tempo de militância ou com maiores serviços prestados ao partido. Estes reconhecimentos são meios de gerar incentivos seletivos entre os membros, algo necessário para manter a militância engajada e o bom funcionamento da organização partidária. Acabar com essa rede de incentivos pode resultar na perda de militantes e de lideranças que não veem seus esforços recompensados, além de tornar os partidos passíveis a serem capturados por outsiders.

Não é trivial pensarmos em soluções para aproximar os partidos da sociedade e que não será simples superar a crise de representação. É preciso tomar cuidado com respostas simples e que são sustentadas mais pelo senso comum do que pela experiência empírica ou uma análise mais aprofundada do problema. A representação política é uma atividade essencial para o bom funcionamento da democracia e é uma atividade extremamente complexa.

Fazer com que os cidadãos se sintam incluídos no sistema e representados pelos políticos é um dos maiores desafios de nosso tempo.

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Texto de Arthur Fisch e Ivan Mardegan, pesquisadores assistentes do CEPESP, na FGV em São Paulo.

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