
No Dia Internacional da Mulher, entrevistamos a pesquisadora do Cepesp/FGV, Lycia Lima. Nascida em Belo Horizonte e com 38 anos, atualmente é pesquisadora associada do Cepesp/FGV e coordenadora do Centro CLEAR (Center for Learning on Evaluation and Results for Brazil and Lusophone Africa), parceiro do Cepesp/FGV.
Leia a entrevista abaixo:
1- Qual é a pesquisa que você desenvolve atualmente no Cepesp/FGV?
Minha área de pesquisa principal sempre foi a avaliação de políticas públicas que focam em investimento no capital humano (Educação e Mercado de Trabalho principalmente), avaliando programas de desenvolvimento da primeira infância, programas que visam aperfeiçoar a proficiência nas escolas, e programas de capacitação profissional e promoção da transição escola-trabalho. No Cepesp/FGV, eu também trabalho com avaliação de políticas públicas na área de Economia Urbana (principalmente Transportes) e Finanças Públicas.
2- Da onde surgiu o desejo de se tornar uma pesquisadora? Você percebeu isso desde a graduação ou foi apenas mais tarde? Pode nos contar sua trajetória e falar sobre algumas personagens importantes nesse percurso, pessoas que te incentivaram e ainda te incentivam?
Meu desejo de me tornar pesquisadora surgiu depois de muitos anos trabalhando com políticas públicas. Sempre quis trabalhar em algo que tivesse impacto positivo sobre o bem-estar das pessoas e que promovesse a redução da pobreza. Nessa busca, fiz um mestrado em Economia do Desenvolvimento na Universidade de Londres — SOAS, e passei por diversas esferas do setor público — Prefeitura de Belo Horizonte, Governo do Estado de Minas Gerais e Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Trabalhei também por muitos anos em organizações internacionais, como a ONU em Genebra e o Banco Mundial em Washington.
Durante o período em que estive no Banco Mundial, tive a oportunidade de trabalhar com governos de muitos países da África e América Central, e percebi o quanto faltava em todos os governos de países em desenvolvimento uma cultura de tomada de decisões baseadas em evidências. Tomar decisões olhando para os resultados parece algo trivial e óbvio, mas não é. Na prática, avalia-se pouco o gasto público, principalmente em países em desenvolvimento.
Enquanto estava no Banco Mundial em Washington, eu conheci o economista Ricardo Paes de Barros, uma grande inspiração intelectual para mim. Ele, para mim, é o grande exemplo de alguém que usa ciência para tentar aprimorar as políticas públicas. Foi ele que me convenceu a voltar ao Brasil. Lembro bem quando me disse: “Isso aí que você está fazendo na África, também é necessário no Brasil — e muito. Você pode fazer muita diferença lá. Volta”.
Eu então voltei para o Brasil para trabalhar com ele, que na época estava em Brasília, na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. De lá, ele me sugeriu entrar no doutorado na FGV, na EAESP, com o Ciro Biderman, que ele conhecia bem e disse que seria uma excelente parceria. Algo que se concretizou!
E foi o que eu fiz, me mudei para São Paulo e comecei a coordenar o Centro para Aprendizagem em Avaliação e Resultados (CLEAR) na Escola de Economia da FGV, trabalhando em projetos de pesquisa aplicada em parceria com governos e o terceiro setor. Pouco tempo depois, entrei no doutorado em Administração Pública na EAESP orientada pelo Ciro Biderman, e virei pesquisadora associada no Cepesp/FGV.
3- Qual o percurso, na sua trajetória estudantil e profissional, que te conduziu para a sua agenda de pesquisa atual?
Ao longo dos anos que passei trabalhando nos governos e nas organizações internacionais percebi que, com frequência, decisões em políticas públicas são tomadas sem levar nenhuma evidência científica em consideração. Evidências robustas sobre o impacto de políticas no Brasil são insuficientes e, mesmo quando elas existem, são poucos os governos que buscam evidências empíricas para orientar suas decisões de investimento.
O resultado disso é o desperdício de recursos públicos, que muitas vezes são direcionados para intervenções que não têm impacto comprovado. Isso é grave em qualquer cenário, e é especialmente prejudicial em um contexto como o do Brasil, no qual faltam recursos para tantas necessidades urgentes de investimento público.
Existem muitos pesquisadores trabalhando com avaliação de políticas públicas no Brasil, mas são poucos os que tentam fazer a ponte com o governo e promover o uso da evidência. E é exatamente aí que eu tento entrar.
4- Qual foi a pesquisa mais desafiadora que você realizou? E qual a sua pesquisa favorita?
A pesquisa mais desafiadora que eu trabalhei talvez seja também minha favorita, apesar de ser difícil escolher uma favorita, gosto de todas! Tendo que escolher uma, talvez seria o impacto das creches públicas do Rio de Janeiro no desenvolvimento infantil e na inserção das mães no mercado de trabalho. É uma pesquisa experimental muito interessante que completou dez anos no ano passado, e que mede o impacto sobre diversas dimensões.
Fizemos várias rodadas de coleta de dados e seguimos a coorte do experimento ao longo do tempo, medindo os impactos de curto, médio e longo prazo sobre as crianças e as famílias. Foi desafiador em vários aspectos, incluindo a definição dos instrumentos para medir as diversas dimensões de impacto, a coordenação das várias rodadas de trabalho de campo, a elaboração de mecanismos de monitoramento para não perder as famílias ao longo do tempo, a coordenação de uma equipe enorme de pesquisadores de vários países e o levantamento de recursos para financiar a coleta de dados, que foi bastante cara.
O relatório da pesquisa pode ser lido aqui.
5- Quais são os desafios que você enfrenta dentro da sua agenda de pesquisa?
Consigo pensar em três principais desafios. O primeiro deles é conscientizar os formuladores de políticas públicas sobre a importância de se planejar a avaliação de impacto desde o início da concepção da política. O monitoramento e a avaliação devem ser partes fundamentais do ciclo de um programa ou política pública. O segundo desafio é levantar recursos para a coleta de dados, o que é fundamental quando não existem dados administrativos para a dimensão que estamos tentando medir. O recurso investido na coleta de dados para a avaliação de impacto pode parecer muito elevado de início, mas é fundamental para medir se a intervenção está tendo os impactos esperados.
Outro grande desafio é fazer com que os resultados de pesquisas acadêmicas sejam efetivamente levados em conta no processo de elaboração e aperfeiçoamento de políticas públicas. O Brasil tem avançado aos poucos nessa direção, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.